A história de Fernando
Opiniao

A história de Fernando

Fernando, um menino de 10 anos viera do Piauí com o pai para melhores oportunidades em São Paulo. A mãe ficara com em sua terra natal com o bebê recém-nascido. O pai conseguiu emprego de operador de empilhadeira. O menino Fernando era esforçado na escola, muito embora, às vezes, faltasse material ou uniforme.
Nos idos de ´70 seu pai fora convocado para fazer parte da construção da Rodovia Transamazônica no trecho que compreende os estados do Pará e Amazonas. O filho Fernando foi junto, de modo que teve que parar com os estudos. Enquanto o trabalho do pai seguia, o menino ficava encantado com os aviões monomotores que, sobre sua cabeça, voavam. Fernando e o pai moravam num descampado, numa área conhecida como Terra do Meio, era bem conservada até, havia os afluentes por perto e algumas trilhas que se estendiam mata adentro – esse era o passatempo predileto de Fernando: curtir a natureza.
Os dias passaram e o menino Fernando procurava fazer amizades com as poucas pessoas dali. Americanos e europeus desciam com seus aviões particulares naquela terra de ninguém. Fernando acompanhava cada turista gringo, tal como um guia – sua simpatia logo foi seduzida pela atenção dos estrangeiros. Então Fernando mandava cartas para a sua professora em São Paulo: -Tia, aqui na região amazônica é tudo muito bonito, vejo pássaro, cobras e até aviões.
Os gringos estavam interessados em fazer pesquisas indígenas, outros em saber por que aquela região é o pulmão do mundo. -Tia, já estou aprendendo a falar inglês. Cientistas franceses, autoridades em conservação socioambiental, vinham colher referências desse grande bioma. -Tia, já falo até francês e eles me dão um monte de coisas: cobertor, tênis, bola…”
Por sua esperteza e inteligência as pessoas de fora olhavam Fernando como uma grande promessa para a contribuição científica mundial, o que consideravam um enorme desperdício deixar um menino assim naquele lugar. – Tia, eles falaram que querem me levar para o país deles. A empreiteira onde seu pai trabalhava demitiu todos funcionários, a Transamazônica no trecho do Pára segue inacabada. O Pai de Fernando, então, tornou-se garimpeiro de madeira ilegal, o que lhe rendia o suficiente para seu sustento de morador da comunidade local – que, aliás, fazia rixa com poderosos grupos econômicos nacionais. O pai do garoto aprendeu a ser pistoleiro, de modo que brigava até com os índios.
O garoto parou de enviar cartas à professora. Hoje ele mora nos Estados Unidos, não tem muito contato com o pai, mas um dia lhe mandou uma carta: – Pai, estou muito feliz aqui e gostaria que você viesse junto, estou noivo, e quero te ver no meu casamento. Eu compro uma casa para você, pois trabalho no departamento de engenharia de uma grande empresa.
Certa feita os índios invadiram uma área de uns grileiros, e alguns pistoleiros foram convocados para atacar os índios – o pai de Fernando estava no meio. O garoto Fernando, com seus quase 30 anos havia conseguido trazer do Piauí sua mãe e seu irmão para os EUA. A mãe de Fernando nunca soube dar explicações sobre o paradeiro do próprio marido, e ela, assim como o filho adoraria saber o que acontecera com o pai. As inúmeras cartas que chegavam ao Pará, no endereço onde deveria estar seu pai, nunca foram respondidas, e isso fez com que Fernando fosse para o Brasil.
Ao chegar por aquelas terras tupiniquins que continuavam inóspitas, foi logo ao pequeno casebre onde Fernando morava quando menino. Um senhor de cabelos grisalhos, baixo e ombros curvados, a trajar apenas uma bermuda jeans veio atender à porta. Fernando se apresentou, e o senhor era o grileiro daquelas terras que comandava as trincheiras em tempos de outrora. Fernando entrou na casa, acomodaram-se nas cadeiras e a história desenrolou:
– Seu pai lutou bravamente por essas terras, no começo ele fazia parte da Frente de Derrubadas de Árvores, mas depois começou a protegê-las, plantar milhares delas, coordenou equipe, ajudava os índios, despoluía os rios e as matas.
– E onde ele está agora? Quis saber o filho. O velho levantou, foi até seu quarto e voltou com uma caixa de sapatos, colocou no colo de Fernando e pediu que abrisse. O coração saía do peito, não conteve as lágrimas, centenas de cartas abertas e amareladas, sem nunca ter sido respondidas.
– O seu pai foi um grande Homem, ele era o tipo de gente que caía dez vezes e levantava onze. Eu nunca vi um homem com tanta garra resistir tanto quanto ele. Todas as noites que eu olho para cima e vejo o mais cintilante brilho, é o seu pai, cujo céu ganhou uma grande estrela. 

É fácil ser diferente, difícil é ser melhor! – Sir Jonathan Ive (53 anos) – Vice-presidente Sênior da Apple