Annick Cojean: “o estupro é a arma mais utilizada em todas as guerras”
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Annick Cojean: “o estupro é a arma mais utilizada em todas as guerras”

A jornalista francesa Annick Cojean esteve em na Aliança Francesa, em Santo André, na segunda (9), onde proferiu palestra, para mais de 200 pessoas, sobre: “A situação das mulheres nas zonas de conflito do Oriente Médio”.
Annick é repórter especial no jornal Le Monde, desde 1981. Autora de vários livros, em 2012, publicou “O Harém de Kadafi” (Les proies dans le harem de Kadhafi), obra com relatos reais sobre as violências sexuais sofridas por jovens mulheres, praticadas pelo ex-ditador líbio Muamar Kadafi. A jornalista foi recebida pelo diretor da Aliança de Santo André, Mathieu Claudel. A palestra foi realizada em língua francesa com tradução simultânea feita pelos profes-sores Sonia Gigeck e Frédéric Ribette. Confira a entrevista exclusiva de Annick à Folha do ABC.

Folha do ABC – Com sua experiência nas zonas de conflito e violência contra as mulheres, qual foi a situação mais chocante ou o relato que mais lhe tocou?
Em diferentes países que estive, vi situações muito dramáticas e fiquei inconformada. O primeiro território em que estive foi a Líbia e as histórias das mulheres de Kadafi foram tão tenebrosas que imaginei que nunca veria nada pior. Mas, quando ouvi sobre a Síria e o que se passa com as mulheres nas prisões do regime do presidente Bashar al-Assad, vi o que era monstruosidade. É uma violação a reputação moral com torturas, as mulheres têm marcas de bastão de choque elétrico em todo o corpo e ainda sofrem torturas sexuais inacreditáveis. Pouco tempo depois, eu também estive no Iraque, onde eu me encontrei com mulheres muito jovens, de 10 a 14 anos, que foram sequestradas pelo Estado islâmico e vendidas num mercado de escravos para servirem de objeto sexual ou escravas sexuais aos combatentes do Estado islâmico e algumas vezes até mesmo para o chefe islâmico, Abu Bakr Al-Baghdadi. E tudo que elas me contaram é inacreditável. Não posso dizer o que é pior. Estive também no Congo, onde encontrei um médico extraordinário, que deveria ganhar o prêmio Nobel da Paz, Denis Mukwege.Todos os dias ele ajuda as mulheres que chegam de todas as partes do Congo e que foram violentadas pelas tribos, pelas milícias, pelos soldados, por todo tipo de gente. Há até mesmo, bebês de seis meses, que são violentados. São histórias inimagináveis. Então, é difícil de dizer o que mais me chocou. Não há limite nesse horror. Fiquei muito chocada de ver como o estupro, que é um tabu em todo o mundo, um assunto que ninguém fala sobre, pode ser em 2015, com as armas mais sofisticadas do mundo, a arma mais utilizada em todas as guerras.

Na sua carreira de renomada jornalista qual foi a reportagem que você mais gostou de fazer? Há alguma que você ainda gostaria de escrevê-la?
Algumas vezes com pessoas conhecidas e muito agradáveis que renderam grandes histórias, como meu encontro com a pequena menina do Vietnã, Kim Phuc (símbolo da guerra do Vietnã, que ficou conhecida em todo o mundo como a menina fotografada em prantos, correndo com o corpo queimado). Em 1997, eu a encontrei em Toronto, ela me contou sua história extraordinária, muito otimista e nos tornamos amigas. Também tive o encontro com a Lady Diana, poucos dias antes de sua morte, foi um encontro muito bonito. Há ainda histórias fantásticas com pessoas desconhecidas, mas, que me tocam muito. São essas as que mais me tocam, quando os encontro por acaso, e posso guardar na memória uma ligação muito forte, mesmo depois de muito tempo.

Qual é sua impressão sobre o Brasil? Há algum tema pertinente que você se interessaria em escrever uma reportagem especial?
Eu adoro o Brasil, é minha quinta vez, sempre venho rápido, mas adoro as pessoas. Acho que há muita gentileza aqui, uma espontaneidade e as pessoas não têm medo de se tocarem, de se abraçarem, e adoro isso. É a gentileza e o dinamismo brasileiro que mais amo. Eu adoraria voltar para ter saber mais sobre um tema muito importante, que é a situação das mulheres daqui, soube do exame Enem, que gerou uma polêmica com o tema: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Isso me interessa muito, adoraria voltar para escrever uma reportagem sobre a situação da mulher brasileira.

Qual será sua próxima reportagem especial?
Estive na Jordânia há pouco mais de dez dias e irei partir ao Iraque nos próximos dias, então, com certeza minha próxima reportagem será sobre esses lugares.