Criatividade em 3D (parte I)
Opiniao

Criatividade em 3D (parte I)

03/03/12

Aplicações vão de grandes aeronaves a pequenas peças
Software é uma ferramenta tecnológica a serviço da inteligência humana. Ou melhor, da criatividade profissional, como é o caso dos aplicativos do tipo CAD 3D (sigla do inglês Computer-Aided Design 3D), que hoje nos permitem projetar com mais confiabilidade e rapidez desde um simples parafuso ou uma peça minúscula até motores avançados, automóveis incríveis, aviões de todos os tamanhos, refinarias de petróleo, naves espaciais, satélites ou edifícios futuristas. E já não precisam ser rodados em mainframes, como no passado, mas até em desktops ou em laptops.
É um equívoco pensar que o CAD em geral seja tecnologia ultrapassada ou obsoleta, pois ele evolui permanentemente e, em muitos casos, representa o que há de mais avançado em matéria de tecnologia digital. Sua evolução tem sido incrível. Por isso, comparar um CAD do começo dos anos 1990 com os atuais softwares de projetos 3D é o mesmo que comparar um Ford-T de 1914 com o mais sofisticado BMW Série 7 de hoje.
Para evitar esse erro de avaliação, utilizo aqui a designação de softwares de projetos em lugar de CAD. Vale lembrar que, com esses aplicativos em 3D, podemos visualizar todas as faces e ângulos do futuro produto, simular a solidez tridimensional, seja de produtos industriais, seja de objetos de arte ou de puro entretenimento. Para o usuário, ele dá uma sensação particularmente gratificante ao lhe permitir criar objetos, máquinas, edifícios ou conteúdos artísticos.
Empresas e produtos

Versões em 3D são usadas frequentemente
Dezenas de empresas de prestígio surgiram no mundo na área de software de projeto nas últimas quatro décadas, entre as quais Autodesk, Dassault, UGS (Siemens), PTC, Bentley Systems, Intergraph, Nemetschek, Cocreate, Think3 e outras. Essas empresas fornecem ferramentas tão conhecidas como o AutoCad, o SolidWorks-3D, o Catia, o Pro-Engineer, o Inventor e o Microstation. E ainda há outras soluções avançadas de Gerenciamento de Dados de Produto, chamadas PDM (sigla de Product Data Management). Ou soluções de Gerenciamento do Ciclo de Vida do Produto, chamadas PLM (de Product Lifecycle Management).
A chegada dos softwares de projeto tridimensionais (3D) nos últimos anos não significa que os aplicativos 2D estejam ultrapassados, mas que a tendência inexorável é a evolução para as soluções 3D, pelos recursos que elas proporcionam.
Além da confiabilidade que oferecem, os softwares de projeto 3D impressionam por sua facilidade de uso. O usuário não precisa ter praticamente maiores conhecimentos de software. Basta dominar procedimentos simples. Tudo nesses aplicativos é extremamente amigável.
Outro aspecto surpreendente é a velocidade com que evoluem os softwares de projeto em todo o mundo. É bem provável que, em cinco anos, a maioria desses aplicativos esteja hospedada na nuvem, especialmente com a popularização dos softwares abertos (open source). Para usá-los, bastará baixá-los dos websites especializados.
Essas tendências de evolução dos softwares de projeto foram um dos grandes temas debatidos por quase 6 mil participantes do evento mundial SolidWorks World 2012, realizado de 14 a 16 deste mês, em San Diego.

Charlès: uma aposta da Boeing
Uma das marcas mais interessantes da indústria mundial de software de projetos é a colaboração entre empresas de todos os tamanhos, mesmo num ambiente altamente competitivo. Para designar essa característica, foi até criado o neologismo inglês coopetition, que indica a dupla situação de cooperação e de competição.
Essa foi uma das características destacadas no SolidWorks World 2012, como ressaltou, em entrevista exclusiva a esta coluna, Bernard Charlès, presidente e CEO da francesa Dassault Systèmes. Para ele, um dos melhores casos de colaboração tem sido o relacionamento entre sua empresa e a gigante americana Boeing. Tudo começou no final dos anos 1980, quando Charlès se encontrou em Seattle com Alan Mulally, então engenheiro-chefe do projeto do Boeing 777 (hoje Mulally é CEO mundial da Ford).
Naquele primeiro contato, Bernard Charlès apresentava à Boeing a versão mais avançada de seu software de projeto Catia, da Dassault Systèmes, utilizado posteriormente no projeto de modernização do Boeing 747-400, aeronave remodelada ao longo dos anos 1990 com a introdução de um grande número de avanços em relação às gerações anteriores. Além disso, a Boeing tinha planos de substituir o modelo físico (mockup) por um modelo virtual no projeto dos novos aviões.
Esse software de projeto em 3D da Dassault possibilitou a realização de muitas das mudanças planejadas pela Boeing. Tudo parecia um sucesso até surgir um problema: na modificação feita no Jumbo 747, a porta não se encaixava perfeitamente porque os desenhos estavam errados, não tinham a precisão exigida por um software 3D. Mesmo aplicando corretamente o software de projeto, o resultado não era o esperado, porque o projeto anterior do avião era diferente.
Bernard Charlès conta que, como resultado da colaboração e do diálogo entre ambas as empresas, Alan Mulally convenceu a diretoria da Boeing a criar, então, o primeiro avião do mundo a partir de um projeto 100% digital. Para consegui-lo, a empresa mobilizou quatro mil engenheiros, num trabalho intenso de cinco anos, com investimentos totais de US$ 10 bilhões.
(Continua)

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário, e-mail esiqueira@telequest.com.br