Crônicas de um ato de falta de coragem
Opiniao

Crônicas de um ato de falta de coragem

15/06/13

Imagina que você é um policial militar, escravo do governo, cujo salário não vale a metade do trabalho desempenhado, em que, certa feita, solicitaram à você ir à campo porque há um confronto com cidadãos de bens em plena avenida Paulista.
Ossos do ofício, e mãos à obra. Civis-moradores-honestos da capital se uniram a fim de revolucionar contra o aumento da tarifa de ônibus. Ninguém ali é marginal, são estudantes e trabalhadores que precisam de condução para sobreviver. Políticas à parte, muitos PM´s não vão com a cara da atual gestão governamental, de modo que, há menos de um mês, a polícia ameaçou entrar em greve por melhores salários. Se pintarmos um quadro da realidade salarial no Brasil, PM´s e professores estarão no topo da lista dos que não ganham o que merecem. Instruir, educar, transferir conhecimento através da alfabetização não é fácil. Proteger o cidadão, dar apoio e segurança, combater corrupção, servir leis e impor exemplos de respeito cívico, tampouco.
Estavam todos juntos na Paulista a fim de reivindicarem não só melhores condições do transporte público, mas também tarifas excessivas. O delegado-pau-mandado-do-governo, quem, aliás, também é a favor de melhorias no salário é instruído à ironia de seu ofício e acata a seguinte ordem à sua tropa: “Vão lá , e se for preciso, façam uso da arma de borracha, gás lacrimogênio e bombas de efeito moral.” alguns soldados, ao prever a hecatombe que pode se formar nas ruas, se adianta: “Mas Senhor, pra que vamos usar armas, se aquelas pessoas estão no direito de reivindicação?” Um outro ainda comenta: “Nós, policiais, também precisamos de ônibus para trabalhar e é incoerente tal repulsa”. Em todo lugar existem pessoas pobre de espírito: “Que nada, vamos lá meter bala e quebrar tudo. Esses caras merecem!” – sentencia outro policial.
Você faz parte do grupo dos honestos, porém, veste a farda e sai à campo. Ao chegar no local, a revolução está a tomar corpo, mas nenhuma das pessoas nas ruas faz baderna ou bagunça. É gente instruída, formadoras de opinião que sabem que vandalismo é queimar dinheiro, já que o orelhão e poste de luz foi comprado com os impostos que todos pagam, a exemplo. Então, pra que destruir? Não! Invés disso eles clamavam em bom som: “Sem violência… sem violência…”. E você – parte do corpo da polícia – estava com um escudo gigante à sua frente, junto com os outros colegas de trabalho atrás da ‘linha vermelha’, a fim de evitar qualquer pedra nos olhos! Mas isso não aconteceria, pois o povo nas ruas não queria violência. Em meio à revolução ouve-se um tiro. De borracha! Da polícia! Sem violência? O que é isso, que país é este? Desrespeito. Regresso. Desordem. É o Brasil.
País onde cidadãos tentam reestabelecer a ordem e arrumar o caos, porém, autoridades não permitem e vão na contra-mão do exemplo que deveriam demonstrar. Aí, você chega para o seu delegado e diz: “ Senhor, as pessoas estavam a gritar sem violência, sem violência, e ainda assim você deu ordem para atirar” – “Isso chama-se repulsão, meu caro, precisávamos repelir aquelas pessoas e tirar a baderna das ruas” – “Mas eles não estavam badernando, não quebraram nada. Apenas queriam paz” – “E você acha o quê? Que a gente iria afugentá-los praticando a paz? Às vezes é preciso uma aplicação de força moral no povo pra mostrar quem manda!” – “Senhor, desculpe-me, mas estou na corporação para servir de bom grado à população, manter a ordem, proteger o cidadão e até me arriscar pelo país, se for preciso”.
Dito isso você tira seu distintivo, se desfaz de sua arma, sobrepõe à mesa do delegado e finaliza “Uma pessoa de caráter é uma pessoa honesta. Não sirvo pra vocês”.

“Palavras não são pedras, mas quando jogadas
com força. Machucam”

guilherme.lazzarini@yahoo.com.br – Publicitário e Fotógrafo