Diagnóstico pela metade
Opiniao

Diagnóstico pela metade

09/06/2012

O ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, disse nas últimas semanas duas verdades indiscutíveis. Primeira: que os impostos que incidem sobre a conta telefônica no Brasil são “um escândalo”. Segunda: que o preço da assinatura básica do telefone é muito elevado no Brasil. Ele só não disse que o segundo problema decorre do primeiro. Nem que já existem diversas opções de serviços telefônicos que não cobram assinatura. Sugeriu, no entanto, uma boa providência: a redução progressiva dos impostos e da assinatura básica.
Essa redução, se e quando ocorrer, será uma bela notícia, que merecerá aplauso. Por enquanto, é mera conjectura. Como a maioria dos políticos, Paulo Bernardo faz um diagnóstico incompleto, sem mostrar as verdadeiras causas dos problemas. E quanto à solução concreta, embora os problemas sejam de sua área, ele desconversa.
Melhor seria dizer, com todas as letras, que o escândalo dos impostos sobre telecomunicações não se limita aos supostos 25% do ICMS, mas chega, na verdade, à média nacional de 43% sobre o valor dos serviços, enquanto a média dos países emergentes e industrializados fica em torno de 10%.
Paulo Bernardo tem o mérito de ser o primeiro ministro das Comunicações a reconhecer explicitamente, em 2012, o escândalo dos tributos – problema que temos denunciado desde o século passado. É possível que, em breve, ele reconheça também que essa política tributária encarece até os insumos básicos de nossa economia, entre os quais as telecomunicações, a energia elétrica e a gasolina, os mais caros do mundo. Assim, o Brasil se torna cada vez menos competitivo.

Nossas fraquezas
O pior é que, além da tributação elevada, a lista de fatores que reduzem a competitividade brasileira é muito maior, pois inclui a burocracia retrógrada, o cipoal de leis que complicam a vida econômica e social, os custos trabalhistas, a infraestrutura obsoleta dos transportes, a precariedade dos serviços públicos, a baixa qualidade da educação, os sucessivos déficits públicos e, last but not least, a corrupção quase sempre impune.
Melhor do que criar expectativas que não se concretizam, como tem feito, o ministro poderia convencer a presidente Dilma Rousseff a corrigir, hoje mesmo e não em 2014, o escândalo dos impostos que incidem sobre as telecomunicações e, por outro lado, iniciar o processo de redução progressiva da assinatura básica – medidas que o próprio ministro sugere, mas sem data para serem concretizadas.
Por que não enfrentar as causas da baixa competitividade nacional começando por reduzir de forma progressiva as escandalosas alíquotas do ICMS sobre os serviços de telecomunicações?

Há solução, sim
Para fazê-lo, basta que a presidente da República proponha ao Congresso uma nova lei (e não medida provisória), com o objetivo de reduzir gradativa-mente a alíquota de ICMS, ao ritmo de 3 pontos percentuais ao ano, até alcançar o patamar civilizado de 10%, num horizonte de cinco anos. Assim, o ICMS cairia no primeiro ano de 25% para 22%. No segundo, de 22% para 19%. No terceiro, para 16%. No quarto, para 13%. E no quinto, para 10%.
Por que não isentar de todos os impostos os serviços de banda larga e investir nessa infraestrutura de internet de alta velocidade os mais de R$ 3 bilhões confiscados anualmente dos três fundos setoriais de telecomunicações?
Qual é a coerência do discurso oficial sobre esse problema?

Estados não perdem
A redução gradativa da alíquota do ICMS para 10% não trará nenhum desequilíbrio ao orçamento dos Estados. Nem mesmo daqui a cinco anos, pois a telefonia móvel está crescendo à média de 20% ao ano, o que poderá compensar largamente a queda anual na alíquota do ICMS.
Na verdade, a arrecadação desse imposto poderá até aumentar. Aliás, nos últimos nove anos, o número de celulares do País saltou de 47 milhões para os atuais 250 milhões. Com isso a arrecadação de ICMS sobre telecomunicações cresceu mais de 300%.

O assalto “por dentro”
Outro escândalo esquecido por todos os ministros é o critério perverso adotado pelo fisco brasileiro ao aplicar as alíquotas de impostos fazendo o cálculo de percentual “por dentro”, que transforma 25% em 33%. Por que não calcular os percentuais sobre o valor dos serviços ou dos produtos – e não sobre o preço final? São dois pesos e duas medidas, até porque, quando reajustamos salários não adotamos nenhum cálculo “por dentro”, mas, “por fora”.
Veja um exemplo concreto. Paguei minha conta telefônica de abril no total de R$ 282,92, dos quais R$ 211,40 eram serviços (inclusive R$ 41,38 de assinatura básica mensal). Paguei o ICMS, no valor de R$ 70,47, calculado sobre o total da conta, “por dentro”. Esse imposto representa 33% do valor dos serviços (R$ 211,40) e não 25%. Além do ICMS, ainda incidem os tributos federais, 3% de Cofins e 0,65% de PIS/Pasep – que não estão discriminados na conta.

Sejamos otimistas
Embora calejado por tantas frustrações políticas neste País, acredito firmemente, caro leitor, que a presidente Dilma Rousseff, se ler este artigo, decidará reduzir imediatamente os impostos sobre telecomunicações, estratégia, aliás, sugerida exaustivamente por centenas de especialistas competentes e sérios. Creio, também, que Papai Noel me dará uma Ferrari vermelha, novinha, no próximo Natal.

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário, e-mail esiqueira@telequest.com.br