Dois corações
Opiniao

Dois corações

Quando soubemos da notícia que eu estava grávida, meu marido se encheu de felicidade e logo torceu para que fosse um menino. Mas era menina. Ele não ficou feliz e, por meses, eu percebi que meu marido andava meio decepcionado, já que ele não poderia jogar bola, empinar pipa, andar de skate, bicicleta, – enfim coisas de meninos, porém, quando ela nasceu, tão pequena e sorridente, um pingo de gente que na palma da mão cabia, meu marido começou a mudar de feição. Ele foi se entregando aos encantos de um bebê tão inocente. Trocava sua fralda, dava mamadeira, levava para tomar as vacinas. Ele começou a amá-la. E seu rostinho ingênuo não saía mais da cabeça dele, tudo que ele fazia era por ela. Um dia, quando estávamos reunidos, ela perguntou:
-Pai quando eu fizer 15 anos, qual será o meu presente de aniversário? – Filha, você não acha que está muito cedo para saber disso ainda? Você só tem nove anos! – Bem, mas o senhor sempre diz que o tempo passa voando, então eu gostaria de saber. – Sim, porém, no momento certo você saberá.
Num domingo qualquer, quando ela já tinha doze anos nós estávamos na missa e, ao sair, ela sentiu fortes dores no peito, ela não se sentia bem, estava enjoada. Quando entramos no carro, ela desmaiou. Da igreja fomos direto para o hospital e os médicos de plantão diagnosticaram um problema em seu coração. Nossa filha ficou no hospital por algumas semanas, pois ela padecia de uma grande enfermidade. Meu marido renunciou ao emprego para poder cuidar dela, e eu decidi que deveria ficar no trabalho, pois dinheiro era necessário. Numa manhã, na cama do hospital ela quis saber:
-Pai, será que vou morrer? – Não filha! Você não vai morrer. – Quando a gente morre, nós conseguimos ver as pessoas? – Bem filha, ninguém voltou do céu para nos contar, mas se eu morresse, não te deixaria só, eu arrumaria uma maneira de me comunicar contigo.- E como faria isso, pai? – Bom, toda vez que você olhasse pro céu e visse a mais brilhante das estrelas a piscar, aquele seria eu a te sinalizar.
Nesse mesmo dia, fomos informados pelos médicos que nossa filha precisava de um coração, pois o dela já estava muito doente e deixaria de bater em quinze dias. Meu marido entrou em contato com muitas pessoas. Em uma semana ela foi operada, deu tudo certo, porém, ficou internada dez dias para o órgão se adaptar ao corpo. Nesse tempo, muitos amigos, familiares e vizinhos foram visitá-la. No dia em que nossa filha saiu do hospital, ela completava 15 anos, e nesse dia eu não fui trabalhar. Ela não se cabia de felicidade com um coração novo num dia tão especial, mas eu estava apreensiva, e a primeira pergunta dela quando entrou no carro foi:
-Mãe, cadê o papai que não foi me visitar no hospital? Não respondi e quando chegamos em casa, entreguei-lhe um bilhete:
“Filha, quando leres essa carta já deverás ter um coração a pulsar forte em seu peito. Não podes imaginar o quanto eu lamento não estar aí contigo e com sua mãe, no seio da família ao vosso lado, dando apoio, proteção e carinho. Quando eu soube que você morreria, eu decidi responder a pergunta que me fizera há seis anos: Um presente tão bonito que humano nenhum jamais poderia dar à minha filha: A Vida!
Seja Feliz! Viva! Desejo tudo de bom e do melhor para ti. Parabéns! Que muitos outros aniversários tão bons quanto este ainda sigam por seu caminho tão cheio de vitórias. Com amor, Pai!”
Ela ficou triste, claro, porém, dentro dela havia uma serenidade incomparável, algo muito pacífico em seu coração. Então, fo-mos até o cemitério e ela sentou ao lado da cruz de seu pai, pegou uma pedra e desenhou dois corações. Olhou para cima e viu a primeira, a mais bela e a mais reluzente das estrelas a piscar. Ficou ali a refletir o sentido da vida. Enxugou uma lágrima e, antes de irmos embora, serena, ela deixou uma frase riscada na cruz: Te amo!!

“Às vezes o coração precisa de mais tempo para aceitar o que a mente já sabe”. – autor desconhecido