Fora dos trilhos
Opiniao

Fora dos trilhos

Estava eu no trem rumo à capital, fui buscar uma lente fotográfica no centro da cidade. Se um dia me perguntarem do que eu não gosto, tiro da manga a resposta: de muita gente no mesmo lugar e locais que me dão sensação de aperto, além de situações em ambientes fechados. Agora, imaginem um trem nessas condições: janelas fechadas, vagão pequeno e lotado – para quem tem princípios claustrofóbicos é o fim do mundo. Por isso mesmo os vagões na extremidade da composição me satisfazem muito, porém, um dia vou tomar coragem e perguntar para aquela multidão de gente que fica no carro do meio qual o motivo de manifestarem imenso prazer em roçarem-se uns aos outros. Será que eles gostam do cheiro das axilas alheias? Por quê invés de se acumularem no vagão do meio, não se espalham no último ou no primeiro? Ônus populacional de coletivos à parte, fato é que ao descer no Vale do Anhangabaú vi uma moça gorda, parda, meia idade a alimentar pombos, e bicavam freneticamente os pedaços de pão. Pena que esses ratos voadores não são comestíveis, pois dariam uma bela pratada de frango à passarinho, mas coitados… são ‘o símbolo da paz’ – e paz é uma palavra simples que o paulistano desconhece: o trânsito é um caos total, buzinaços, poluição, gentarada, corre-corre. Haja vista mais que a metade da população está sempre atrasada, é difícil apreciar as belezas histórias do centro de São Paulo, mas eu consegui: percebi que o Tetaro Municipal estava pronto e vistoso, após uma reforma laboriosa, em contraste, os postes cheiram xixi, a coca rola à toda, e a cola não sai do nariz dos meninos de rua que ficam sob o viaduto do chá e adjacências.
Cheguei na loja de equipamentos fotográficos e: -Tudo bem? Vim pegar uma lente que deixei aqui para arrumar. -Olha, desculpe meu jovem, mas essa lente nós vendemos… -Como assim? A minha lente? -É… não havia comprovante, nem nota de compra, e muito menos ordem de pedido então achamos que, ao consertar, poderíamos vendê-la. É mais fácil estressarem um monge, a que me deixarem nervoso, então, com toda calma resolvi: – Ótimo! A lente valia cem reais, como podemos negociar? -Bem, nós temos alguns acessórios aqui… -Pois então me vê um carregador de pilha, um leitor de cartão e 4 pilhas recarregáveis. Acho que saí ganhando, pois o que eu senti do vendedor foi que ele quebrou a lente ou perdeu: vendeu uma ova – saquei na hora que era desculpa esfarrapada.
Entrei no trem de volta para Santo André, e encontrei uma folha de jornal no assento que implorava para ser lida, logo, a manchete era que um ciclone na noite anterior havia causado duas mortes, de repente o trem diminui a velocidade e não era para despachar usuários em alguma estação – o trem parou no “meio da pista” – ninguém soube a razão e todos estavam curiosos para descobrir o motivo, após um tempo o coletivo pára na estação São Caetano e, pelo alto-falante ouve-se: -Este trem vai parar por motivos de força técnica, por favor queiram todos descer, obrigado! e repetiu essa frase três vezes. Ok, entendemos! Na saída da estação uma confusão só, bombeiros chegavam, polícia cercava a área, o SAMU corria para socorrer pessoas e sirenes faziam muito barulho – parecia cena de filme policial americano, ao que disse um cidadão: -Um ônibus caiu do viaduto e atingiu um trem que passava no trilho. Fiquei boquiaberto e quis saber: -Estava correndo? Não sei! -Quantas pessoas no ônibus? Não sei! Morreu alguém? Não sei! -O motorista dormiu? Não sei! Fiquei pensativo, e depois de um tempo o cara questiona: -Por quê só me faz pergunta que eu não sei? -Mas que tipo de pergunta você sabe? -Que o motorista era uma mulher, a altura era de dez metros, havia óleo na pista molhada por causa dessa chuva, e que o trem que vinha não conseguiu brecar, por isso bateu no ônibus atravessado no trilho.