Governo não vai investir bilhões em banda larga (final)
Opiniao

Governo não vai investir bilhões em banda larga (final)

Hoje também vão para o Tesouro os recursos do Fundo Nacional de Tecnologia de Telecomunicações (Funttel) e do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) que há dez anos vão, em sua totalidade, para a vala comum do superávit fiscal…
Eles (os legisladores) fizeram errado. Fizeram barbeiragem. Acho que, provavelmente, até na época é possível que o pessoal da área econômica tenha empurrado para sair errado mesmo. E acho que os parlamentares ajudaram também.
Acho que o Miro (Teixeira) e o Sérgio Miranda, na época, foram ao Supremo contra o Fust. Bloquearam toda a execução e não aplicaram em nada. O que acontece? Quem está do lado do controle de gastos achou uma maravilha: “Deixe eles lá brigarem à vontade”.
Esses recursos não poderiam – desde que o governo fizesse a devida política pública, mudando a legislação – ser aplicados em coisas como a banda larga?
Claro que poderiam.
Veja, ministro, foram R$ 32 bilhões de excesso de arrecadação, confiscados nos três fundos desde que foram criados. Isso daria para fazer uma rede de banda larga como a da Coreia.
Daria, só que continuaríamos tendo problemas de equilíbrio fiscal e continuaríamos tendo o problema de carga tributária alta. Essas coisas não podem ser feitas isoladamente. Foi um erro. A forma como fizeram o Fust facilitou: “Não tem solução, então não precisa gastar”.
Esse projeto que o Mercadante (Aluísio, ministro da Ciência e Tecnologia) articulou – sei que o Paulo Lustosa articulou também –, na minha opinião, resolve o problema operacional. E nós fizemos um acordo para resolver o problema orçamentário. Vamos começar a gastar o dinheiro do Fust.
O equilíbrio do governo não deveria depender do Fust.
Mas depende.
Há quem afirme que é ilegal a apropriação dos fundos, que têm finalidade carimbada por lei, pelo governo.
No caso do Fust era impossível usar. Fizeram errada a lei e provavelmente fizeram errada e depois ninguém queria consertar.
Na fiscalização, esse excedente não deveria ser lançado a crédito dos próprios contribuintes?
O dinheiro não é separado assim. Existe uma legislação que exige que seja tratado como conta única. O Tesouro só tem uma conta. Tem a contabilidade, você sabe de onde veio cada um.
Mas essa apropriação não é um procedimento republicano.
Teve um ministro que falou comigo: precisamos criar uma entidade que não dependa de autorização do Tesouro, nem do orçamento, que não tenha contingenciamento. Eu disse: faça na Suíça porque aqui a legislação é diferente, temos uma realidade diferente e não vai acontecer. É claro que o cara não ficou feliz comigo (risos).
Se somarmos os 43% de impostos do setor de telecomunicações – que hoje incidem até sobre a banda larga – e o que é arrecadado de ICMS, mais os fundos, chegamos a um total de R$ 330 bilhões arrecadados sobre as contas telefônicas e de banda larga nos últimos dez anos.
Isso vem desde 1997.
O volume de impostos, no entanto, cresceu de forma brutal, com a expansão da base.
Mas somos acusados de fazer gastança aqui. Que dizer se gastarmos esses R$ 330 bilhões, então? Estou brincando, é claro. Temos de mudar isso. O governo tem de cuidar do fiscal, não podemos abandonar isso, e temos de fazer esse tipo de investimento, quer dizer, montar uma estrutura de banda larga.
Agora quero lembrar o seguinte: nós privatizamos o serviço. Então não dá para cobrar que o governo faça essa infraestrutura.
Mas a lei de telecomunicações tem um artigo específico que diz que o governo pode até desapropriar essas redes e fazer delas uma só, a rede compartilhada ou “unbundling”.
Pode, mas isso é uma briga medonha, do ponto de vista político, do ponto de vista jurídico.
A Inglaterra fez isso, a Itália está fazendo.
Sim, mas nós estamos dizendo para as empresas, nesta mesa aqui: tinha gente até dentro do governo que achava que o governo deveria botar alguns bilhões e fazer a infraestrutura Plano Nacional de Banda Larga.
Nós falamos: primeiro vamos fazer que as concessionárias cumpram sua parte. Depois vamos discutir quanto temos de colocar. Eu nem discuti meu orçamento (do Ministério das Comunicações). Cortaram 55%. Eu não vou ficar correndo atrás do Guido Mantega (ministro da Fazenda) nem da Míriam (Belchior, ministra do Planejamento) para arrumar dinheiro, enquanto as empresas, que estão com capacidade instalada, vendem serviço caro.
Eles vão ter de ajudar nisso. Para que você está concessionário? Outro dia fui contratar TV a cabo na minha casa e o cara já chegou falando: “Se você colocar telefone, banda larga, já vendemos tudo junto, na mesma infraestrutura”. Eu sou a favor disso. Mas você não pode ser obrigado a comprar. O que se pode é oferecer e dar possibilidade… Não teria sentido usar dois cabos: um para internet e outro para a TV a cabo.
Acho que temos de acertar, dialogar com as empresas para que elas ofereçam um serviço melhor, e aí vamos ver o que falta. Por isso, disse que não estamos falando em universa-lização, o que deve ter deixado gente escandalizada hoje (24-02-2011). Por quê? Porque num determinado momento eu vou ter de falar: “Tem gente que mesmo por R$ 30 não vai poder pagar”. Então, vamos estabelecer uma política para isso. Agora, se eu sair querendo fazer tudo…
A política fiscal tem um papel importante nisso, mas será que se o governo reduzir esses 43% os pre-ços da banda larga não baixarão?
Claro, você tem toda razão. Isso é uma carga altíssima.
Altíssima, especialmente para uma coisa da importância social da banda larga.
Estou de pleno acordo. Agora chegamos até aqui desse jeito. Para desmontar isso tem de ter um rito de passagem. Tem de ter uma forma de resolver isso.
Não é possível que o governo federal tenha um diálogo com os governadores para obter deles o apoio à redução do ICMS?
Pode e deve. Se a gente disser ao governador “tire o imposto das telecomunicações”, ele vai responder: “Quem vai pagar minha conta?” Não dá. Agora, “tirem da banda larga”. Então, ele vai fazer a conta e ver que isso corresponde a algo próximo de 5% do que arrecada com telecomunicações. Aí, é provável que ele diga: “Isso dá para fazer”. O governador vai chamar o secretário da Fazenda dele e dizer: larga a mão, vamos fazer. Até porque quase não há esse serviço; se você abrir mão, você não vai perder, estará apenas deixando de ganhar. É diferente.
Uma coisa em que se pode pensar é a redução progressiva dessa alíquota, em cinco, dez anos.
Com certeza.
O que foi proposto em 2001, mas ninguém ouviu.
Mas estamos propondo, por exemplo, baixar a contribuição do INSS para 14 pontos. Se for 1% ao ano vai dar seis anos. E vamos tirar o imposto de educação. Ou seja, da folha de salário nós tiraríamos 8,5% de….
Uma crítica que se faz ao governo Lula nessa área é ter feito muitos projetos e planos decididos em “petit comité”. Por que não abrir o debate sobre os grandes temas setoriais, sobre a nova Lei Geral de Comunicações ou o novo marco regulatório?
Só no PNBL… Primeiro, nós não mandamos nenhum instrumento para o Congresso, não estamos mudando legislação, estamos fazendo uma mudança na política. Só. A outra coisa é que estamos discutindo com todo mundo. Aqui já recebemos todas as operadoras de telefonia, recebemos as empresas de TV a cabo, a associação delas, elas individualmente, recebemos os provedores de internet, o Procon. Estamos discutindo amplamente essas questões aí.
Na defesa do consumidor, o grande problema é que o Procon é chapa branca, ele só cuida dos problemas na área privada. Só faz 50% de defesa do cidadão. Não podemos ter um Procon que cuide de tudo, também na área de serviços que são prestados pelo Estado?
Teria de ser não estatal. Não pode ser uma coisa estatal. Achar que o governo vai nomear alguém para (criticá-lo) vai dar incompatibilidade, vai dar dificuldade.
Não poderia haver uma espécie de fundação?
A própria sociedade civil. O movimento de saúde é dos mais organizados do País. Talvez educação não seja. Não há tanta cobrança sobre a escola pública quanto se tem sobre a saúde pública. Mas saúde tem conferência de três em três anos, é obrigada a ter conselho municipal. Você só pode fazer um hospital se passar pelo conselho. E convenhamos: é um pessoal chato, que eu conheço muito (risos). Educação não tem. Talvez tenha de estimular fórmulas de fazer isso em outras áreas. Não diga que eu falei que o pessoal dos movimentos é chato (risos).

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário, e-mail esiqueira@tele-quest.com.br