Governo não vai investir bilhões em banda larga (parte I)
Opiniao

Governo não vai investir bilhões em banda larga (parte I)

“O governo tem de cuidar do lado fiscal. Não nos cabe investir pesadamente em banda larga. Tinha gente até dentro do governo que achava que o governo deveria botar alguns bilhões e fazer a infraestrutura do Plano Nacional de Banda Larga. Não vamos fazer isso. Aliás, quero lembrar o seguinte: nós privatizamos o serviço. Então, não dá para cobrar do governo que faça essa infraestrutura.”
Com essas palavras, o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, em entrevista exclusiva a Folha, esclarece de forma definitiva sua posição sobre um possível retrocesso no modelo das telecomunicações. Ele espera que as concessionárias cumpram a sua parte na questão da banda larga: “Depois, então, vamos discutir quanto temos de colocar. Até porque o orçamento do Ministério das Comunicações foi cortado em 55%. Eu não vou ficar correndo atrás do Guido Mantega (ministro da Fazenda) nem da Míriam (Belchior, ministra do Planejamento) para arrumar dinheiro”.
O ministro lembra que o problema das concessões de rádio e TV a políticos vem de longe. “Até 1988, durante a Constituinte, centenas de concessões de rádio e TV foram distribuídas àqueles parlamentares que votassem a favor de certas teses.” Mas esse modelo precisa ser revisto, “de modo a torná-lo mais descentralizado e mais democrático”.
No caso de emissoras em nome de terceiros, ou seja, de laranjas, “a legislação atual já tipifica esse procedimento como crime”. O ministro acha até que “o Ministério Público e a Polícia Federal deveriam estar cuidando disso”.
Paulo Bernardo não aceita a tese da independência das agências reguladoras: “Que é isso? O que elas têm de ter é autonomia. Isso, sim. Acho que a agência tem de ter autonomia para decidir as coisas no âmbito da regulação, da fiscalização, de como fazer e quando fazer uma licitação. Mas não para formular políticas públicas. Todos os ministros têm autonomia. Nem a Dilma nem o Lula ficam olhando o que eu faço aqui. Se eu fizer lambança, aí sim, eu vou ter de responder”.
Para o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, o mundo atual exige que o Brasil dê muito maior atenção às comunicações – em especial quanto à universalização do acesso à banda larga, de modo a permitir que todos os cidadãos participem da nascente Sociedade do Conhecimento. Esse novo cenário requer políticas públicas muito mais ambiciosas, condizentes com sua expectativa de um país que caminha para ser a quinta economia do planeta. Por todas essas razões, afirma Paulo Bernardo, “a presidente Dilma considera as comunicações uma área prioritária, absolutamente vital para o Brasil hoje”.
Em conversa com os jornalistas, Paulo Bernardo rejeitou, inicialmente, o apelido que lhe havia sido dado num seminário na manhã de quinta-feira, 24, de “Serjão da Dilma”, quando foi comparado ao ex-ministro Sérgio Motta, por sua determinação em mudar o cenário brasileiro das comunicações, especialmente nas áreas de banda larga e radiodifusão. Depois reconheceu que Sérgio Motta fez um grande trabalho e, ao recusar o apelido, quis apenas estabelecer as diferenças de pensamento entre ambos.
A seguir, a íntegra da entrevista de Paulo Bernardo:
Em sua opinião, não estaria na hora de resgatar o papel do Ministério das Comunicações, que foi praticamente esvaziado em suas funções ao final do governo Lula?
A presidente Dilma considera as comunicações – não o ministério em si – uma área absolutamente vital para o Brasil hoje. De certo modo, a expectativa do governo é a mesma da sociedade. Estamos nos preparando para ser a quinta economia do planeta. E, cada vez mais, o mundo e o País dependerão da informação, nessa nova Sociedade do Conhecimento que se avizinha.
O governo precisa estar em sintonia com essas demandas. Muito mais do que realizar, cabe-lhe definir políticas públicas nesse setor, envolvendo, entre outros segmentos, a internet e a política industrial que viabilizará o acesso cada vez mais amplo, dará um salto de qualidade no trabalho escolar e acadêmico e maior produtividade do trabalho.
Como vê a questão das concessões de emissoras de rádio para políticos? Não estaria na hora de mudar esse quadro de ilegalidade? Como vê a multiplicação de emissoras concedidas ou alugadas por igrejas?
A radiodifusão trabalha com um bem que pertence à sociedade, à Nação, que é o espectro de frequências, finito e não renovável. Esse espectro tem de ser utilizado para o bem comum. Veja que há distorções que vinham de antes da Constituição de 1988. Até então, as concessões eram gratuitas, benesses. Sabemos que, durante a Constituinte, centenas de concessões de rádio e TV foram distribuídas àqueles parlamentares que votassem a favor de certas teses.
Essas distorções precisam ser corrigidas. Temos de ser realistas, na hora da correção, pois as leis não têm efeito retroativo. Acho que devemos rever o modelo, de modo a torná-lo mais descentralizado e mais democrático. E, pessoalmente, acho que, no caso de agentes políticos, deveria ser totalmente proibida (a concessão de emissoras de rádio e TV).
Por que não corrigir progressivamente todas essas distorções, no momento das renovações futuras das concessões de emissoras de políticos?
Tudo depende do marco regulatório. Poderemos corrigir todos os casos na hora da renovação da concessão. Isso levará, naturalmente, oito ou dez anos para que possamos corrigir tudo.
Mas, como corrigir essas distorções, se o cadastro das emissoras de rádio e TV de seu ministério é pouco confiável e desatualizado?
Ouço sempre essa acusação, de que as emissoras estão em nome de terceiros. Ora, isso é crime. Não preciso mudar nada. A legislação atual já tipifica esse procedimento como crime. É o mesmo que abrir uma padaria em nome de laranjas, para lavar dinheiro.
Mas é bom lembrar que fazemos o cadastro com base em documentos oficiais, com fé pública, da Receita, mas se houver indícios claros de que os titulares não são os verdadeiros donos, vamos punir todos os culpados.
O senhor pretende cuidar da apuração desses casos?
Olha, com sinceridade, acho que o Ministério Público e a Polícia Federal já deveriam estar cuidando disso.
Numa palestra esta manhã (24), aqui em Brasília, o senhor disse que não pretende fazer uma Lei de Comunicação, um marco regulatório abrangente, mas prefere legislar por etapas. Será assim mesmo?
Isso ainda não está definido. Sei que poderíamos fazer um projeto abrangente, com todos os aspectos de forma coerente. Mas será muito mais difícil aprová-lo porque teremos todos os interesses contrários unidos contra muitos desses aspectos. O que eu disse foi apenas uma ideia, uma sugestão, em resposta a uma pergunta do auditório, sobre a questão da produção independente nacional e regional.
Mas, convenhamos, mesmo que eu esteja de acordo com a proteção à produção independente nacional, sabemos que isso é um enxame de abelhas. Aliás, como demonstra o PL-116 (projeto de lei que está no Senado e cuida da TV por assinatura, com proteção à produção independente nesse segmento).
(Continua)

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário. E-mail esiqueira@tele-quest.com.br