Governo não vai investir bilhões em banda larga (parte II)
Opiniao

Governo não vai investir bilhões em banda larga (parte II)

Não seria muito melhor que o governo desse maior apoio e incentivo à produção independente do que criar reserva de mercado, pois, em última instância, é a qualidade, o mérito de cada trabalho que deve prevalecer e que deve fazer a diferença?
Veja o caso da BBC de Londres que, mesmo havendo uma lei que a obrigava a comprar 24% de sua programação em produções independentes, acaba comprando hoje 40%. Acho que devemos fixar um percentual moderado reservado à produção independente. Se quisermos fixar algo como 50%, é provável que não tenhamos nem como suprir esse volume. Veja, também, o mercado norte-americano, que compra uma boa parcela de produções independentes. Não sei se existe um percentual obrigatório, mas o fato é que as TVs compram.
E os Correios, que passaram desde a criação da ECT em 1969, até há dois ou três anos, sem um único caso de corrupção de repercussão? Que aconteceu nessa empresa que já foi modelar e de grande credibilidade?
Os escândalos dos Correios vieram a público em 2005, juntamente com o mensalão. É claro que temos de combater duramente aqueles casos de corrupção na empresa. Eles mostram uma situação deplorável que vamos combater sem tréguas.
Mas eu não me arriscaria a dizer que foram os primeiros casos de corrupção desde 1969. Talvez os primeiros com repercussão nacional. Vale lembrar que a empresa ainda goza de excelente imagem e credibilidade. Só perde para a família e para o corpo de bombeiros. Aliás, não há como ganhar dessas duas instituições.
Mas, lembre-se, a ECT é uma empresa fantástica. Tem 108 mil funcionários. Está presente em todos os municípios do Brasil e tem um papel importantíssimo. É, em última instância, uma empresa de logística e deverá continuar sendo ainda mais no futuro.
O que aconteceu então na ECT?
Foi um problema de gestão. Tivemos uma diretoria que não se falava.
Isso não foi fruto de uma barganha política na escolha dos dirigentes?
Não sei.  Acho que foi um descuido. Hoje temos uma diretoria que não foi indicada por ninguém (nenhum partido). Selecionamos todos por currículo e os nomeamos. Não sei se vai funcionar, mas fizemos o melhor.
O senhor não acha que esse critério deveria prevalecer em todas as nomeações de diretores das empresas estatais, como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios e outras?
É claro que sim. Mas nós temos também um sistema político. Veja o presidente Obama (dos Estados Unidos). Trocou tudo. Até o embaixador no Brasil. Aliás, eu fiquei decepcionado com esse cara. Ele vivia lá no Planejamento conversando com a gente. Depois descobri que ele era um fazedor de relatórios. O governo Bush trocava todos os embaixadores.
Em resumo, acho que temos de ter controladorias, critérios de governança e acompanhar tudo de perto. Foi o que faltou nos Correios.
Quais foram esses problemas de gestão nos Correios?
Vou dar o exemplo da contratação do transporte aéreo de correspondência. Os Correios gastam R$ 300 milhões por ano com esse transporte aéreo. Eles, no entanto, não conseguiram fazer uma contratação. Tudo era feito por emergência, o que é um absurdo. Não conseguiram fazer um concurso público. Essas coisas são básicas. Temos de resolver. Aliás, já estamos conseguindo resolver. E vocês verão os resultados daqui a três ou quatro meses. Ninguém mais estará falando disso.
Nesse processo de recuperação dos Correios, não existiria espaço para a quebra do monopólio de alguns serviços?
Tudo pode ser debatido. Mas é bom lembrar que os Correios fazem na área postal uma coisa que ninguém se dispõe a fazer, como levar uma carta de São Paulo para o interior do Piauí ou da Bahia. Se tirarmos o monopólio, quem irá fazer? Vale lembrar também que esse monopólio postal existe também em países da Europa e de outras partes do mundo. Na área de entrega de encomendas esse monopólio não é necessário. Mas acho que tudo pode ser discutido.
Não o preocupa a tentativa de esvaziar o poder das agências? A presidente Dilma acha, como Lula, que elas são uma forma de terceirização do governo?
Nossa divergência com as agências reguladoras, no início do governo passado, era quanto à prerrogativa de definir políticas públicas, que cabe ao Executivo. O que cabe a elas é fiscalizar e regular os serviços. É isso que está na lei.
Muitos diziam: as agências têm de ter independência. Que é isso? O que elas têm de ter é autonomia. Isso, sim. Todos os ministros têm autonomia. Nem a Dilma nem o Lula ficam olhando o que eu faço aqui. Se eu fizer lambança, aí sim, eu vou ter de responder. E o que normalmente acontece é que você vai ser despedido. Mas o ministro tem de ter autonomia. Ninguém fica fiscalizando o dia a dia dele aqui.
Da mesma forma, o presidente do Banco do Brasil e o diretor da Petrobras têm de ter autonomia. Acho que a agência tem de ter autonomia para decidir as coisas no âmbito da regulação, de fiscalização, de como uma licitação.
E nas agências reguladoras, a barganha política vai continuar?
Olha aqui: quando foi criada a Anatel, ficou definido que essa agência seria do PSDB. A Aneel (energia elétrica) e a ANP (petróleo), do PFL. A ANT (transportes terrestres). Todos indicados por interesses políticos. Não fomos nós que inventamos isso.
Agora, lá no Orçamento, eu ouvi o pessoal dizer: as agências têm de ter o seu orçamento todo liberado. Por quê? Nós somos a Suíça? Vai fazer agência na Dinamarca e vê se funciona assim. Não funciona.
Ninguém, em nenhum lugar do mundo, tem todo o dinheiro que quer. Dizem que os magistrados britânicos, nunca fui atrás para ver se é verdade, têm uma conta da qual eles vão sacando, de acordo com suas necessidades. Provavelmente ninguém saca mais do que precisa, mas não sei se é verdade.
Agora, fora isso, nunca ouvi falar. Quando nós assumimos, nenhuma agência tinha servidores de carreira. Então, reorganizamos as agências, desenhamos as carreiras – aliás, um modelo onde o técnico é muito bem remunerado. Ninguém entra com menos de R$ 10 mil nessas agências. Promovemos concursos, estruturamos.
Quando foi em março de 2007, vencia o prazo fatal para tirar os contratados temporários. Aí, vários presidentes de agências foram ao Congresso fazer lobby para não demitirmos os temporários: “Não, esses são muito importantes, eles é que tocam a agência”. Já tínhamos contratado 2 mil servidores. Então, fomos lesados. Contratamos 2 mil servidores que não tocam e há outros que tocam? Então por que não deixamos assim? Conversa. Interesse corporativo. Havia um monte de apaniguados lá. Teve gente que me ligou, de outros poderes inclusive, dizendo: “Tem de deixar fulano, deixar sicrano”. O que fizemos? Seguramos até o fim e dissemos: “Dia 31 de março, rua, todo mundo para fora, acabou o contrato”.
E repito: havia presidente de agência reguladora que ia lá dentro do Congresso pedir apoio para evitar que a gente encerrasse os contratos. Saiu todo mundo e não aconteceu nada.
Por falar em orçamento, a Anatel seria basicamente mantida pelo Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), cuja arrecadação é seis ou sete vezes maior do que o orçamento da Anatel. O que acontece com o excesso de arrecadação?
Fica no Tesouro. Temos de suprir, seja a Anatel, seja qualquer outra agência, com um orçamento condizente com as necessidades. Eles (seus funcionários) recebem bem, têm diárias, não têm dificuldade em trabalhar.
O número de fiscais não é insuficiente?
Eu fui ministro do Planejamento e enfrentava editoriais diários nos jornais dizendo que estávamos inchando a máquina, contratando gente demais, às vezes até contra a contratação de professores para as universidades.
Aí a gente vai encher uma agência de fiscais? A Anatel tem 1.800 servidores. O Sardenberg está reclamando, ligou (pedindo) para colocar lá mais uns 150, 200. Mas não podem ser 5 mil. O Estado não pode virar um monstro. Vamos colocar um monte de fiscais, multiplicar o orçamento da agência e ninguém dorme mais, porque eles não vão deixar ninguém dormir com o barulho. A agência tem de ser controlada
(Continua)

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário. E-mail esiqueira@tele-quest.com.br