Milena Romano: “A Eletra se prepara para ser a maior produtora de ônibus elétricos da Am.Latina”
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Milena Romano: “A Eletra se prepara para ser a maior produtora de ônibus elétricos da Am.Latina”

 A presidente da Eletra, Milena Braga Romano, em entrevista exclusiva à Folha, revelou que a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sede da empresa, em São Bernardo, marcou o início de uma nova atitude do governo brasileiro em relação ao transporte público sustentável. A empresária também disse que o próximo desafio será incluir nos programas de mobi-lidade urbana e descarbonização da economia metas claras de transição das frotas de ônibus a diesel para ônibus elétricos ou de baixa emissão. “O Brasil não tem 400 ônibus elétricos em circulação, mas a frota total de ônibus urbanos no Brasil está em torno de 109 mil veículos a diesel, a eletromobilidade tem um imenso espaço para crescer”, disse. Confira.

Folha do ABC – A Eletra inaugurou, oficialmente, em junho , com a presença do presidente da República, a fábrica de ônibus elétricos em São Bernardo. Na ocasião, Lula disse que o governo federal daria apoio às empresas nacionais de transporte público sustentável. Como isso tem se desenvolvido?

Milena Braga Romano – O anúncio do presidente Lula em sua visita à nova sede da Eletra marcou o início de uma nova atitude do governo brasileiro em relação ao transporte público sustentável. O presidente da República e seus ministros, entre os quais Fernando Haddad, da Fazenda, além do vice-presidente Geraldo Alckmin, viram com seus próprios olhos que o Brasil já tem uma cadeia produtiva completa e qualificada de ônibus elétricos.

   Uma cadeia produtiva que já está produzindo ônibus elétricos com tecnologia nacional e componentes fabricados por empresas brasileiras ou instaladas há muitas décadas no Brasil. Ou seja, gerando emprego e renda em território nacional.

   Essa constatação mudou o entendimento do governo sobre a indústria nacional de transporte público sustentável. Tanto isso é verdade que, poucos dias depois da visita à Eletra, o presidente do BNDES anunciou uma nova linha de crédito destinada a financiar a transição das frotas de ônibus a diesel para elétricas entre as prefeituras brasileiras e apoio creditício às indústrias brasileiras que quiserem produzir ônibus elétricos.

   Estamos aguardando que esse anúncio do BNDES se torne realidade. Neste momento, financiar a primeira fase da transição elétrica é o maior desafio da eletromobilidade no transporte público.

   O próximo desafio será incluir nos programas de mobilidade urbana e descarbonização da economia metas claras de transição das frotas de ônibus a diesel para ônibus elétricos ou de baixa emissão.

 

Folha – Como poderá ser feita a substituição das frotas de ônibus a diesel por elétricos, qual o tempo necessário e qual a porcentagem de poluentes que deixará de ser emitida?

Milena – A substituição das frotas de ônibus a diesel por elétricos depende da iniciativa dos prefeitos, que em geral são o poder concedente em matéria de transporte público. Mas o prefeito precisa ter segurança de que conseguirá financiar essa transição sem onerar as tarifas.

   É preciso, portanto, haver claros incentivos fiscais e creditícios, tantos dos estados quanto do Governo Federal, para que esses prefeitos e os operadores municipais de transporte sintam-se seguros de apoiar legislações para a transição das frotas.

   Hoje, não há 20 cidades brasileiras com leis e programas consistentes de conversão de ônibus a diesel para veículos elétricos. No entanto, segundo o último Censo, há 319 cidades com mais de 100 mil habitantes no Brasil, 41 delas com mais de 500 mil habitantes. O Brasil não tem 400 ônibus elétricos em circulação, mas a frota total de ônibus urbanos no Brasil está em torno de 109 mil veículos a diesel.

    Ou seja, a eletromobilidade tem um imenso espaço para crescer. Mas, para que isso aconteça, é preciso engajamento do Governo Federal, com metas nacionais claras e disposição em conceder os incentivos necessá-rios ao início dessa transição.

   Sobre o corte de emissões, posso mencionar os resultados de um estudo feito há poucos anos pela Associação Brasileira do Veículo Elétrico, com base em estimativas do IEMA – Instituto Estadual do Meio Ambiente.

   Segundo esse estudo, se a lei que prevê a troca de todos os ônibus a diesel da cidade de São Paulo por veículos de baixa emissão for integralmente cumprida (Lei 16.802/2018), mais de 14 milhões de toneladas de gás carbônico (CO²) deixarão de ser despejadas na atmosfera em 20 anos. E isso sem contar as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP), altamente prejudiciais à saúde humana.

 

Folha – Os ônibus da Eletra são produzidos por uma indústria 100% brasileira. Este diferencial coloca a empresa em patamar mais competitivo para que governos estaduais e municipais possam aderir aos elétricos?

Milena – Sem dúvida. A Eletra tem mais de 20 anos de experiência em transporte público sustentável. Produziu o primeiro ônibus híbrido elétrico operacional do mundo, em 1999, e o primeiro ônibus 100% elétricos do Brasil, em 2013. Produziu também o primeiro caminhão elétrico, em 2015.

   No ano passado, deu início à fabricação da mais completa linha de ônibus elétricos do Brasil e da América Latina. Estamos lançando seis novos veículos, de 10m a 21,5m, capazes de atender à demanda de eletrificação de frotas de qualquer cidade brasileira.

   E com um diferencial muito importante: todos os ônibus da Eletra são customizados. São fabricados de acordo com as especificações de cada clien-te, para atender às características de cada linha, de cada topografia, de cada clima, de cada sistema viário.

   Outro diferencial é que os ônibus Eletra são produzidos em parceria com categorizadas empresas brasileiras. É um produto 100% brasileiro, inclusive as baterias. São veículos de alto desempenho, com tecnologia nacional e garantia de reposição e assistência técnica por empresas instaladas no Brasil. Isso faz a diferença para o operador.

   Essa parceria garante um lugar de protagonismo da indústria brasileira no cenário global da eletrificação do transporte público. Temos condições de apresentar veículos de alto desempenho para operar na maioria das grandes cidades do planeta.

 

Folha – Quais cidades brasileiras serão contempladas com novos veículos elétricos? E no ABC, quando haverá a implantação?

Milena – A maioria dessas cidades brasileiras ainda está na fase de testes da nova tecnologia elétrica. Isso é normal. As autoridades de transporte e os empresários de ônibus têm de se sentir seguros com os ônibus elétricos. Em todas elas, porém, os primeiros resultados têm sido altamente satisfatórios.

   A eletrificação do transporte público é um processo sem volta. Isso está acontecendo também no ABC. Hoje, vemos ônibus elétricos em circulação em Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá. Ribeirão Pires também estuda a nova tecnologia.

   Recentemente, São Bernardo inaugurou o Corredor Verde, com ônibus elétricos Eletra. Eles irão circular na Linha 20, atendendo 4 mil passageiros/dia, em trajeto que vai do Parque Imigrantes ao Paço Municipal, passando pelo Royal Park, Batistini e Demarchi.

   No total, são 28 paradas, incluindo dois terminais, como o Batistini, compreendendo um percurso de origem e destino de quase 30 km. Juntos, os ônibus farão aproximadamente 100 viagens diárias, com veículos elétricos de 12,1m e capacidade para 72 passageiros.

   E isso sem contar o futuro BRT-ABC, que ligará todo o ABC às estações do metrô Tamanduateí e Sacomã, com uma frota de 92 ônibus 100% elétricos de alta capacidade, todos produzidos pela Eletra.

   Hoje, a Eletra tem ônibus elétricos em dez cidades brasileiras: São Paulo, Salvador, Vitória, Goiânia, Curitiba, Suzano, Sorocaba, Guarujá, Santo André e São Bernardo.

 

Folha – Quantos países já possuem ônibus da Eletra e quais as expectativas de ampliação até o final do ano?

Milena – Tudo ao seu tempo. No passado, a Eletra forneceu ônibus elétricos e sistemas de tração elétrica para empresas de ônibus de Córdoba, na Argentina, e de Wellington, na Nova Zelândia. Os resultados foram bastante positivos, mas ainda não era o momento de uma agressiva operação internacional.

   Agora, o cenário mudou. A Eletra está se preparando para ser a maior produtora de ônibus elétricos da América Latina. Nossa nova sede no km 16 da Via Anchieta tem capacidade para produzir 1.800 ônibus elétricos/ano, ou mais, dependendo da demanda. Nossa prioridade, neste momento, é habilitar a indústria nacional a fornecer todos os ônibus elétricos demandados pelos atuais programas de transição de frotas das cidades brasileiras.

   A partir daí, vamos nos voltar à América Latina. Nosso objetivo é muito claro. Queremos recuperar a histórica liderança do Brasil no mercado latino-americano de transporte público, que a indústria brasileira perdeu recentemente para os produtos importados da China.

   A partir do final de 2024 e início de 2025, você pode ter certeza de que os principais países da América Latina vão ouvir falar muito dos ônibus Eletra e da competência da indústria brasileira de ônibus elétricos em geral.

Folha – Qual o presente que a empresa gostaria de dar à cidade, neste aniversário de 470 anos?

Milena – A Eletra é uma indústria de São Bernardo. Foi fundada em 1999 no Montanhão e se transferiu no ano passado para uma área industrial de 27 mil m² na Pauliceia, às margens do Km 16 da Anchieta.

   Ocupa hoje um prédio icônico, que pertenceu no passado a outra importante empresa brasileira de São Bernardo, a Conexel, depois Weidmüller.

Somos vizinhos da Mercedes-Benz e quase vizinhos da Scania, dois de nossos principais parceiros estratégicos, que também fazem parte da história da indústria do ABC. A Eletra nasceu e cresceu em São Bernardo, e tem muito orgulho dessa trajetória.

   O melhor presente que podemos oferecer a São Bernardo é a possibilidade de melhorar a qualidade do transporte público, por meio de veículos elétricos não poluentes, de baixíssimo nível de ruído, produzidos no município, com tecnologia brasileira e gerando emprego e renda para a população que aqui vive e trabalha.