O brinquedo do Lorenzo
Opiniao

O brinquedo do Lorenzo

29/03/14

Lorenzo gosta muito de carrinhos, Lara gosta de desenhar, Pedro prefere video-games e dvd´s. Cada um com gosto e personalidades diferentes, já que os três irmãos brincam um com o outro como amigos, mas, às vezes, sai uma briga em que, na posição de pai, devo bancar o juiz.
Um dia comprei uma caixinha pequena de som. A ideia era que tivesse entrada para pen-drive a fim de que eu pudesse ouvir minhas quase quinhentas músicas. Pouco tempo depois o negócio da China revelou-se um produto de péssima qualidade. Primeiro a antena foi quebrada com a maior facilidade, cujo sinal ficou horrível; segundo a bateria não durava muito e eis que um dia parou de vez. Poderia ter comprado outra bateria, mas ao invés resolvi comprar um aparelho um pouco maior na esperança que funcionasse bem: uma kombi vermelho vinho na forma de rádio.
Quando cheguei em casa com aquilo Lorenzo amou. Meu desafio era fazer com que ele não transformasse o troço em mais um de seus carrinhos. Outro negócio da China e a kombi-rádio deteriorava-se aos poucos até que não mais funcionou: virou brinquedo na mão do Lorenzo, mas era grande demais comparado às miniaturas que ele tinha.
Era um sábado e eu voltava de trem de São Caetano ao final de um mais um expediente, às 17h30 desembarquei na estação do centro de Santo André e decidi comprar uma miniatura de kombi para Lorenzo, já que ele havia gostado da minha perua-rádio. Quando cheguei em casa, Lorenzo lanchava, Lara  desenhava, Pedro assistia tv, minha esposa ainda trabalhava e a babá estava sentada no sofá. Deixei a mini-kombi sobre a cama do Lorenzo, cheguei nele e falei : “hei, vai ver o que tem na sua cama pra você”. Ele Ignorou o fato de ser “apenas” um simples carrinho e fez daquilo a melhor coisa do mundo. Saiu pulando de alegria pela casa e mostrou aos irmãos: -”hey, hey, olha só o que eu ganhei.” -”Puxa Lorenzo, que legal” falou Pedro. -”Quem te deu?”,  quis saber Lara. -”Foi o papai que deu, ele deixou em cima da cama e eu peguei”.
Dias vão, dias vêm e a kombi vivia em suas mãos durante todo o tempo. Um dia me perguntou se podia levar pra escola. Neguei, já que ele poderia perder ou esquecer lá. O brinquedinho de plástico ficava cada vez mais usado. Um dos pára-choques caiu, bem como as janelinhas, consegui colar, mas ele adorava aquilo ainda assim. A fim de evitar quebrar de vez, passei a esconder e o alertei que só deveria pegar na minha presença. Em vão. Ele sempre encontrava. O carrinho já estava todo remendado: rodas, portas e janelas.
Disse-lhe que ele só deveria mexer naquilo na minha presença, um dia ele achou onde estava e acabou por  quebrar o negócio de vez: o troço partiu em dois feito um pão de cachorro-quente, tornando-o inútil a partir dali. falei: daí, vou jogar fora. A resposta dele veio de uma maneira que pude perceber que ele amava aquilo mais que tudo. Lorenzo se sentiu culpado, claro, por ter quebrado o brinquedo, mas principalmente por ter desobedecido ordens. Abaixou a cabeça tristemente e falou baixinho: pode jogar. Pude perceber que ele conteve lágrimas. Comoveu-me e tentei encaixar novamente as peças, colei com cola de alta fixação, remendei, mexi, montei de novo e guardei. Tão logo, em tom de desaprovação, minha esposa veio a indagar: você vai jogar a kombi fora?? em seguida, Lara, surpresa, diz: ô pai, é verdade que você vai jogar a perua do Lorenzo!? estavam estarrecidos com a situação do Lorenzo se desfazer de algo que, para ele não era um brinquedo, um carrinho ou qualquer coisa material – ele depositou naquilo um sentimento que ia além de conceito material, algo inseparável. Minha covardia em jogar o troço no lixo falou mais alto e, na hora em que eu devolvi a kombi, ele estava com olhos arregalados e embargou a voz: você concertou!!
Não é legal que os sentimentos que as crianças nutrem por brinquedos acabe. Eles brincam incondicionalmente e não se preocupam se aquele negócio, um dia, vai quebrar ou não; se as peças do quebra cabeça estão espalhadas; se o jogo de memória falta figura; ou se o dominó está incompleto – eles apenas brincam! quem fica preocupado com essas coisas somos nós adultos.  
o aniversário do Lorenzo é daqui quinze dias e disse-lhe que daria outra kombi: mais um carrinho para sua coleção.

“Não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte”. – autor desconhecido

guilherme.lazzarini@yahoo.com.br – Publicitário e Fotógrafo