O sucesso da Campus Party
Opiniao

O sucesso da Campus Party

A presença de figuras exponenciais da internet mundial – como Al Gore, Tim Berners-Lee, Jon Maddog Hall e Steve Wozniak, entre outros – foi apenas um dos muitos pontos altos da quarta edição da Campus Party, realizada em São Paulo ao longo da semana passada. A variedade dos debates, a vivência intensa de múltiplas formas de colaboração e a sinergia do intercâmbio entre milhares de participantes jovens, ávidos de conhecimento e de oportunidades – tudo isso fez da Campus Party 2011 um evento único.

Acampados em barracas durante uma semana, no Centro de Exposições Imigrantes, 6.800 campuseiros, na maioria adolescentes, participaram de mais de 400 palestras, seminários e painéis sobre áreas e matérias tão diversifi-cadas quanto mídias sociais, desenvolvimento de aplicativos, software livre, games, música, fotografia, vídeo, robótica e astronomia, entre outras especialidades.

Há quatro anos, quando foi lançada a primeira edição da Campus Party, eu achava que o projeto era quase utópico. Não imaginava que seria possível reunir por tantos dias milhares de jovens apaixonados por computadores e internet, para trabalhar em conjunto e ouvir celebridades mundiais e profissionais de todos os setores. Eu estava totalmente enganado. O fórum transformou-se num sucesso incomum, equiparável à Campus Party realizada em Valência (Espanha) e maior do que as de Bogotá e Cidade do México.

A realização de um evento dessa natureza, com exposição e congresso, mostra, também, o quanto é importante a parceria entre entidades públicas e privadas. Além do patrocínio principal da Telefônica, a Campus Party recebeu nesta quarta edição o apoio institu-cional de 56 entidades, inclusive dos governos federal, estadual e municipal de São Paulo.
Para se ter uma ideia das dimensões da infraestrutura tecnológica exigida por um evento dessa natureza, vale a pena lembrar que ele exige uma rede de acesso à web de 10 gigabits por segundo (Gbps).

Dois líderes
Al Gore e Tim Berners-Lee foram as duas grandes estrelas na terça-feira passada, no palco principal da Campus Party, com a apresentação mais concorrida e um debate entre ambos que teve como mediador o jornalista Ben Hammersley, editor da revista Wired inglesa.

Al Gore mostrou a importância da rede mundial na defesa de causas de grande alcance e maior audiência da atualidade, como a do aquecimento global. Defendeu a interatividade como nova conquista social e democrática proporcionada pelo jornalismo eletrônico e formas similares de comunicação.

Em sua opinião, os governos não são eficientes porque ainda não aprenderam a utilizar todo o potencial da internet em favor dos cidadãos, e foi muito aplaudido quando conclamou os jovens a defenderem a rede: “Não deixem que a internet seja controlada por governos ou grandes corporações! Ela é uma rede de pessoas!”.
Enfatizou a necessidade de uma legislação moderna que defenda o direito à privacidade e proteja os cidadãos contra todas as formas de fraude na rede.
Lembrou que, até recentemente, a televisão nos bombardeava diariamente com um monólogo unilateral sobre todos os temas. A sociedade não tinha espaço para o diálogo ou para a resposta.

Hoje, graças à difusão planetária da internet, cada cidadão pode participar, opinar, corrigir, debater, divulgar ideias e defender novos projetos. “Está na hora, portanto, de repensarmos o papel da democracia neste novo mundo interconectado”, proclamou.

Al Gore lembrou ainda que informação é poder, mas que os governos livres não deveriam temer o poder das pessoas. “Durante muito tempo, eu acreditei que era impossível aos governos imporem a censura à rede, mas em várias nações eles estão conseguindo barrar o fluxo de informação que circula pela internet.”

Tim Berners-Lee, criador da teia mundial (worldwide web ou www), manifestou seu otimismo quanto à evolução e ao impacto futuro da internet, a começar da linguagem HTML 5, que dará muito mais funcionalidade à rede.
Lembrou que, desde que criou a worldwide web, tinha certeza de que a nova rede seria um espaço aberto e de colaboração contínua, mas não previa as proporções que ela poderia tomar quando a maior parte da população estivesse conectada. Em 1990, quando nasceu a teia mundial, o mundo não contava com mais de 40 mil usuários. Hoje, tem 2 bilhões de internautas, 1 bilhão dos quais usuários da internet móvel.

Um momento surpreendente ocorrido durante a apresentação de Gore e Berners-Lee foi a intervenção de outro pioneiro da internet, Vint Cerf, o engenheiro norte-americano que criou o protocolo IP, via internet, em vídeo gravado pouco antes na Austrália.

Abertura
Para Tim Berners-Lee, a abertura dos dados governamentais é condição básica para o aprimoramento da democracia. Por isso, o próximo passo na evolução da internet é a liberação de dados de governos, como faz, por exempolo, no site www.data.gov.uk (que criou em parceria com governo do Reino Unido).

Esses dados, produzidos pelo governo e pagos por impostos, devem ser abertos, pois a transparência permite que as pessoas, de posse dos dados brutos, criem novas conexões, de uma forma inteiramente nova, o que lhes permite compreender melhor o funcionamento do mundo. 

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário, e-mail:  esiqueira@tele-quest.com.br