Os culpados somos nós
Opiniao

Os culpados somos nós

Você sabia que você joga fora 180 quilos de comida por ano? Sim, segundo dados do Centro de Agroindústria de Alimentos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o desperdício doméstico por família é suficiente para alimentar uma criança por seis meses. Agora, multiplique a quantidade de famílias existentes no Brasil, e o resultado do desperdício erradicaria a fome no país. Somos o maior produtor de cana, soja e café do mundo (e o terceiro em cerveja), e ainda assim o país inteiro desperdiça mais de 11 milhões de toneladas de alimentos todos os anos. De modo que são jogados fora 12 milhões de reais, o que seria suficiente para alimentar oito mi-hões de famílias. É muito dinheiro jogado fora! Pra quê? Aqui no Brasil ninguém passa fome, mesmo! Os 200 milhões de habitantes têm tanta grana que está todo mundo rico!
Quarta-feira última às 22h entrei numa padaria a fim de levar pães e frios pra casa. Logo na entrada, a moça do caixa não manifestava vontade alguma de ser simpática, sua cara de poucos-amigos era assustadora. No balcão, eu namorava alguns doces, pães recheados, brioches e afins, na esperança de que alguém me atendesse, mas a funcionária estava numa conversa com um outro cliente – o único, aliás – na qual eu não quis atrapalhar. O outro atendente estava no seu horário de janta, e fiquei sem jeito de interrompê-lo, mas era a única saída: “Meia dúzia de pãezinhos e duzentos gramas de mussarela, por favor”. Enquanto eu esperava a encomenda, escolhia o tipo de baguete que queria levar, e o atendente que era cego de um olho, coitado, me alertou:”Moço, eu só tenho isso de mussarela”, e me apresentou uma peça de 180 gramas. “Não tem problema, vai essa mesmo!”.
Nisso, a funcionária que falava com o freguês olhava as mesmas baguetes que eu, ao que ela pega umas quatro, se dirige até a lixeira e joga tudo fora. Pensei: ‘caramba, eu aqui gastando dinheiro e ela ali desperdiçando, por quê não doa esses alimentos?’ quando ela retorna para a  gôndola, comete o mesmo gesto, agora com umas seis baguetes na mão e dispensa tudo na lata do lixo. Tive que falar: “Ei moça, não joga fora não! Aqui na esquina tem um monte de moleque pedindo dinheiro no farol pra comer”. “É… mas fazer o que, né? são ordens do patrão….”. Como assim ‘ordens do patrão!?’, pensei. Quer dizer então que, moleques de rua na porta da padaria, rogam por um pedaço de pão e o patrão canalha joga tudo fora?
Ao pagar minha mercadoria, a moça do caixa que, aliás, era “o patrão” tinha piorado sua cara, ela poderia entrar numa competição das pessoas mais antipáticas do mundo que ganharia fácil. Disse-lhe um obrigado, mas como essa palavra não fazia parte de seu vocabulário, não obtive resposta. Sequer me ouviu.
Tive pena das pessoas que morrem de fome. E saí de lá com raiva da padaria, do patrão, da atendente, na esperança de evitar comprar naquele lugar toda vez que tiver oportunidade. Mas aí refleti: ‘Pôxa, imagina quantas pessoas não fazem isso? Imagina quantos supermercados não desperdiçam alimento? Imagina quantas famílias permitem que os alimentos expirem a data?’. Minha esposa mesmo é um exemplo de gente que não deixa a comida mais de dois na geladeira – quantas pessoas não fazem isso, também? É um péssimo costume brasileiro. Mas há uma solução: se cada um decidisse fazer uma greve de fome, daria mais valor. Passe fome pelo menos um dia e você terá economizado comida pro resto da vida, e talvez nunca mais jogará nada fora.
Intriga-me tal desperdício, mas fico muito mais chateado com os dois milhões de pessoas que morrem de fome a cada dia no mundo, incluindo crianças. E os culpados somos nós.

“Um simples ‘oi’ pode mudar seu dia, e a falta dele também.” – autor desconhecido.