Pessoal e íntimo
Opiniao

Pessoal e íntimo

29/09/12

Tia Elizabeth veio de Londres, passar 40 dias conosco, como fazia de 5 em 5 anos. Eu sou sua sobrinha por sangue, mas ela adorava o W, meu marido. Não pudemos disfarçar que as coisas não iam bem conosco, mesmo porque Tia Liz é inteligente demais para ser enganada. Na primeira semana ela teve longas conversas com W. e eu cuidei dos quitutes do Brasil que ela mais gostava. Na segunda semana, ela me requisitou o tempo todo e fomos comer fora como convidados. Eu destravei meu coração e contei como nosso casamento estava acabando. Que W. estava insuportável, que só queria fazer o que lhe apetecia, que não tínhamos a mínima vontade de estar juntos. Ela sorriu e eu acredito que meu marido tenha contado exatamente o mesmo para ela. Muito sabiamente, ela não se precipitou. Olhou a casa, nosso quarto, escrevia num caderno tudo que planejava. Fizéramos 20 anos de casados e nosso único filho estava morando e estudando na Austrália. Sentíamos falta dele, mas sabíamos que ele estava ótimo e não voltaria tão cedo para cá. Tia Liz, confiante, convidou-nos para irmos a uma linda pousada que ela conhecia, em Campos do Jordão, num lindo e quente novembro. Ao chegar lá, assustei-me, pois tínhamos três lindos quartos reservados. Levaram-me a um quarto de sonho, com uma vista lindíssima.W. também não questionou, quando o levaram para seu quarto bem longe do meu. Tia Liz sempre fora excêntrica e diferente. Encontramo-nos na hora do delicioso jantar. Cada um tirara uma soneca, ou navegara nos computadores e televisões disponíveis nos aposentos. Parecia um sonho para mim, ter dormido muito à tarde, só comigo, tomar uma ducha e enfiar-me  gostosamente numa Jacuzzi. Arrumei-me bem para o jantar. Tia Liz e W. olharam-me com admiração. Comemos uma entrada, um bom vinho e Tia Liz disse: “Eu sei o que se passa com vocês dois. Vocês só estão mal enquadrados num sistema arcaico de matrimônio. Quase todos estão nessa, aqui no Brasil, e os casamentos se desmoronando. Sei que confiam em mim, então aceitem o que proponho: nestes 8 dias que passaremos aqui, cada um de nós está livre para fazer o que quiser, em todos os sentidos. Nos encontraremos à noite no jantar, e teremos toda liberdade de compartilhar ou não de nossas atividades do dia. Aceitam?” Foram dias
maravilhosos, quando eu acariciei meu ego doente: dormi bem demais, passeou a cavalo, de bicicleta, conversei com novas pessoas, li, nadei e assisti a ótimos filmes. Senti que nós três estávamos adorando nossa individualidade, aconchegados a tudo que nós temos no âmbito “pessoal e íntimo”- coisa que eu quase esquecera que se precisa desfrutar.
W. estava de ótimo astral e parecia estar muito interessado em me reconquistar. Dizia que eu estava bonita e de humor adorável. Flertamos muito e, na última noite, dançamos agarradinhos no jantar, diante do olhar carinhoso de Tia Liz.
De volta à vida real, nossa Fada Madrinha nos ajudou a transformar nossa casa: teríamos quartos separados, cada um com seu computador, televisão e demais coisas que tínhamos antes em comum. Tia Liz nos deu aulas de como ter um ótimo casamento “cada um na sua”. Tínhamos muito que treinar e nos ajustar à nova situação que aceitamos viver. Mudamos nossos hábitos, nossos paradigmas sobre casamento e viver a dois. Hoje faz 1 ano desse novo começo e estamos a caminho do aeroporto para receber nossa amada Tia Liz, de Londres diretamente para a “nossa pousada” em Campos do Jordão. Sábio conceito e excelente sugestão esta, que veio de uma leitora que hoje é também minha amiga. “Cada um na sua” e “Até”!

Glorita Caldas é professora e consultora da LAC Consultoria, e-mail: glocaldas@uol.com.br