Quero viver nesta cidade
Opiniao

Quero viver nesta cidade

22/09/12

Confesso, caro leitor, que gostaria de viver numa cidade como Fujisawa, em que a vida urbana será totalmente sustentável, ecológica e muito mais humanizada do que a esmagadora maioria das cidades que conhecemos. Sob muitos aspectos, ela realiza nossos sonhos com o projeto denominado Fujisawa Sustainable Smart Town (Fujisawa SST).
Vale a pena conferir. A partir de 2018, as primeiras mil residências da nova Fujisawa vão dispor de rede elétrica inteligente (smart power grid), energia solar e baterias em cada casa, iluminação pública interconectada, vias públicas projetadas para bicicletas, pedestres e veículos elétricos. E muito mais.
Que bom saber que a humanidade tem iniciativas na área ambiental tão inovadoras e positivas quanto essa. Fico até mais otimista em saber que existem pelo menos dez ou doze projetos de cidades sustentáveis como Fujisawa em implantação no mundo.
Por que Fujisawa
O projeto da cidade sustentável inteligente é financiado e patrocinado por oito empresas japonesas, sob a supervisão da administração municipal. As oito empresas patrocinadoras são: Panasonic, PanaHome, Accenture, Orix, Nihon Sekkei, Sumitomo Bank, Tokyo Gas e Mitsui Fudosan. Os dados aqui citados sobre o projeto Fujisawa SST foram colhidos em entrevista com dois especialistas, Yukio Nakashima e Shiro Nishiguchi, diretores da Panasonic, na feira de Berlim (IFA 2012), há três semanas.
Tecnologia e estratégias de planejamento caminham juntas
Fundada na metade do século 20 e hoje com quase 500 mil habitantes, Fujisawa apresentava até recentemente os mesmos problemas que afetam outras cidades, resultantes da industrialização e da degradação ambiental. Ao longo dos últimos anos, as indústrias foram transferidas para outras regiões e a cidade passou a ser inteiramente repensada, reestruturada, reconstruída e planejada para tornar-se uma verdadeira cidade verde.
“Ao recuperar e regenerar as áreas urbanas degradadas, nosso objetivo é reeducar a população para a sustentabilidade sob todos os aspectos e orientar outras cidades a fazerem algo parecido”, enfatiza Nakashima.
Diferentemente de Brasília, a nova Fujisawa não nasce de um sonho arquitetônico e urbanístico de dois gênios como Oscar Niemayer e Lúcio Costa. A proposta japonesa tem como objetivos a correção de rumos e a elevação permanente da qualidade de vida humana, dos padrões educacionais, da racionalização dos transportes, da autossuficiência energética, da proteção ao meio ambiente e da sustentabilidade como um todo.
Sonho verde
Fujisawa reformula conceitos a partir de sua experiência concreta, para corrigir os erros mais frequentes que degradam as cidades e a própria vida humana. A cidade transforma-se numa espécie de campo de provas, visando ao aprimoramento das estratégias de recuperação e de reconstrução de uma cidade que tem problemas semelhantes aos de milhares de outras no século 20, desfiguradas pela industrialização e pelos combustíveis fósseis.
Mais do que criar uma nova cidade hi-tech, altamente sofisticada, o projeto pretende reeducar moradores e administradores, em especial as novas gerações, para evitar que o ambiente urbano se transforme no inferno social, econômico e ambiental que conhecemos tão bem aqui em São Paulo, na Cidade do México ou em Jacarta, na Indonésia.
Mil casas
Em 2018, a cidade sustentável de Fujisawa começará a viver em sua plenitude a experiência de uma comunidade verde de mil casas planejadas segundo padrões totalmente amigáveis ao meio ambiente. Uma das metas mais ambiciosas do projeto é reduzir em 70% as emissões de carbono em relação aos níveis recordes de 1990.
Embora o conceito de edifícios verdes não seja novo, tudo ali está sendo repensado para corrigir todas as estruturas existentes que não atendam aos padrões e tecnologias ecológicas sustentáveis. A ideia fundamental é que as tecnologias atuais e as estratégias de planejamento urbano caminhem juntas desde o primeiro momento, para alcançar o máximo de eficiência e bons resultados.
Até os desastres naturais, como os terremotos e tsunâmis ocorridos nos últimos anos no Japão, inspiraram e motivaram os autores do projeto de Fujisawa SST em busca de respostas para aquelas catástrofes. Os habitantes da cidade já se orgulham de seus planos de segurança, das metas de autossuficiência energética e de mobilidade máxima. E, diante das muitas comunidades japonesas devastadas em fase de reconstrução, Fujisawa já tem oferecido boas sugestões e um modelo de renascimento urbano.
Nova cabeça
É impressionante como, depois do tsunâmi de março de 2011, muitas empresas e líderes japoneses passaram a defender novos paradigmas para a vida social e econômica do país. A energia nuclear será, provavelmente, banida em menos de dez anos. A indústria já busca todos os meios possíveis para reduzir o desperdício de energia e a emissão de carbono. Não se trata mais de mera propaganda ou argumento de relações públicas, mas de sobrevivência.
O mundo tem muito a aprender com projetos como Fujisawa SST e, talvez, com uma dúzia de outros, em fase de implantação, como a proposta russa da cidade sustentável de Skolkovo, nas proximidades de Moscou.
Será que o Brasil não poderia pensar, também, num projeto parecido, apoiado por uma dúzia de grandes corporações?

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário, e-mail esiqueira@telequest.com.br