Revolução da fotografia
Opiniao

Revolução da fotografia

11/02/12

Primeiro, você tira a foto. Depois, acerta o foco. Quem vê a caixa metálica tão simples não imagina que ela possa abrigar uma tecnologia revolucionária que, talvez, represente um salto equivalente aos da câmera Polaroid ou da foto digital. Assim é a câmera Lytro, que utiliza um conceito totalmente diferente de registrar a imagem, baseado no campo de luz (ou light field), em que os raios luminosos são capturados por um sistema de sensores completamente novo. Seu nome pode não ser dos mais felizes, mas seus resultados vão agradar, com certeza, a todos que gostam de fotografias quase perfeitas.
Entre as incontáveis inovações apresentadas no Consumer Electronics Show (CES) de 2012, em Las Vegas, a câmera Lytro foi a vencedora do Last Gadget Standing, um dos prêmios para a maior inovação tecnológica da área da fotografia, votado e definido pelos visitantes como o de maior impacto em suas vidas.
O grande diferencial da Lytro é permitir que o usuário aprimore o resultado final depois de capturar a cena, quando tudo já estaria definido e irreversível para as câmeras convencionais. Desse modo, a Lytro evita a perda de fotos por falta de foco ou de nitidez, mesmo quando feitas com pouquíssima luminosidade. Depois do clique, a câmera armazena as imagens com todas as cores e formas, e só então o usuário começa a corrigir o foco e todos os detalhes.
O criador da Lytro

O inventor e sua câmera
A câmera revolucionária foi inventada por Ren Ng (pronuncia-se Ing), pós-graduado da Universidade de Stanford, nascido na Malásia, hoje com 35 anos. Ele desenvolveu sensores que captam milhões de raios de luz, num trabalho equivalente ao de supercomputadores.
Ren Ng acaba de fundar sua empresa, a Lytro Co., de Redwood, Califórnia, e transformar seu invento em produto comercial, ao lançar a câmera no CES de 2012. O preço de lançamento não parece nada absurdo: US$ 399. Quem quiser entender melhor os fundamentos científicos dessa câmera, pode visitar o site www.lytro.com, da empresa que está lançando a câmera revolucionária.
A ideia da fotografia de campo de luz não é nova. Outras empresas, inclusive a Adobe e a Pelican Imaging, de Mountain View, tentaram sem sucesso chegar aos mesmos resultados que Ren Ng obteve.
Além de tirar fotos com uma rapidez incrível, a câmera pode usar a informação do campo de luz para criar imagens tridimensionais (3D) e com muito mais dados que podem ser reunidos, inclusive com um desempenho muito melhor em condições de baixa luminosidade.

Como funciona
Tudo isso soa como algo mágico, dizem os fotógrafos mais experientes. Mas, na realidade, como funciona? Quais são as compensações e como essas chamadas “fotografias vivas” interagem com o software que as torna visíveis e compartilhadas? A premissa básica da câmera de campo de luz é coletar todos os dados sobre a luz visível no campo de visão da câmera de modo que esse software possa manipular a foto mais tarde.
Ren Ng explica que, quando o conceito era usado no passado para criar imagens como as dos efeitos especiais de “bala do tempo” no filme Matrix, era necessária uma sala cheia de câmeras e a potência computa-cional de um supercomputador. Utilizando uma óptica especial e sensores, a câmera Lytro reproduz toda essa técnica em um dispositivo portátil e simples.
“As fotos tradicionais não nos contam a história completa; considere que a totalidade da luz que entra através da lente da câmera é muito mais do que a da foto”, descreve o inventor. E mais: “O campo de luz é toda a informação adicional que é perdida numa foto comum, tradicional. Quando nós registramos toda essa informação, isso nos permite atuar com o software após o fato (a captura da imagem)”.
O que acontece “após o fato” é o pulo do gato, a grande novidade ou breakthrough: uma vez capturados os dados do campo de luz, os algoritmos da Lytro podem fazer truques impressionantes. O primeiro e maior deles é ajustar o foco em qualquer ponto em que o observador desejar.
Ainda pela explicação de Ren Ng: “Quando uma câmera comum focaliza fisicamente, o que ela está fazendo, na verdade, é ajustar as lentes em relação ao sensor para que este traga as diversas partes da cena para uma posição de foco. Desse modo, se nós temos agora todo o campo de luz, nós podemos fazer o que as lentes fazem normalmente, mas por meio de computação”.

Se o leitor quiser ter uma ideia de como funciona na prática a nova fotografia baseada no campo de luz, pode usar o link específico e curioso (https://www.lytro.com/living-pictures#) e clicar duas vezes com a tecla esquerda do mouse. Cada trecho da foto ganha foco, mesmo o que estão no fundo. Há diversas fotos para essa demonstração.

Um pouco de história
A evolução desde 1839
A evolução da tecnologia de fotografia tinha até agora, em resumo, duas grandes etapas: a analógica e a digital. Agora, ganha, talvez, uma terceira: a foto baseada em campo de luz. As primeiras fotos baseadas em sais de prata – ou seja, em processo fotoquímico – foram feitas simultaneamente na França e na Inglaterra, em 1839. Do lado francês, Louis Daguerre descobriu o processo em 1835, mas só o registrou em 1839, no mesmo ano em que o inglês William Henry Fox Talbot requeria a patente da invenção da foto com negativo, em placas de vidro. Em 1884, George Eastman inventou o negativo flexível, com filmes de celuloide.
No século 20, nasceram as fotos em cores pelos processos Agfacolor e Kodachrome, ambos nos anos 1930. Viriam depois o Kodacolor e o Ektachrome, logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1938, Edwin Land inventou o Poloroid, um processo de positivo direto, em preto e branco e, em 1962, o mesmo processo em cores.
A foto digital é fruto do desenvolvimento do computador e surgiu nos anos 1980, inicialmente com as primeiras câmeras Mavica, da Sony, ainda com baixa resolução, inferior a 0,5 megapixel. De lá para cá, a evolução tem sido extraordinária, a ponto de sepultar praticamente a foto analógica, baseada em processos fotoquímicos.
Agora, com a câmera Lytro, um novo salto da fotografia digital, na forma de captação da luz

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário, e-mail esiqueira@telequest.com.br