Trinta anos dourados
Opiniao

Trinta anos dourados

Para minha geração, que acompanhou a conquista da Lua e a corrida espacial dos últimos 30 anos, a aposentadoria dos ônibus espaciais traz alguma tristeza e nostalgia. Na verdade, o lançamento do Atlantis, na sexta-feira, encerrou uma era de avanços extraordinários, uma espécie de anos dourados do nosso descobrimento do universo.
Lançamento fotografado de uma aeronave de treinamento sobre o Cabo Canaveral. Foto: NASA/Dick Clark
Nas três décadas que nos separam do primeiro lançamento da nave Columbia, em 1981, os ônibus espaciais prestaram relevantes serviços à humanidade. Puseram em órbita e ajudaram a consertar o telescópio Hubble e dezenas de satélites, levaram milhares de peças e partes destinadas à construção da Estação Espacial Internacional (ISS, sigla de International Space Station) e transportaram centenas de astronautas e cientistas responsáveis por incontáveis pesquisas nas áreas de biologia, medicina, astronomia, meteorologia e telecomunicações.
O mundo testemunhou, na realidade, um momento histórico, com a decolagem do último ônibus espacial, exatamente às 11h29 da manhã (12h29 de Brasília), de sexta-feira, 8 de julho, com apenas 31 segundos de atraso, no momento em que a Estação Espacial Internacional passava sobre a cidade de Christchurch, na Nova Zelândia. Neste domingo, o Atlantis deverá acoplar-se à ISS.

O mundo encolheu
Que diferença das primeiras coberturas que fiz há mais de 30 anos, em um mundo analógico, sem internet, sem banda larga, sem computadores pessoais, sem smartphones e tantos outros dispositivos pessoais de comunicação. Anteontem, juntamente com milhares de jornalistas e internautas de todo o mundo, tive o privilégio de assistir ao lançamento do último ônibus espacial, ao vivo, pela TV da NASA (www.nasa.gov/ntv). Como usuário de uma fibra óptica, em meu escritório pessoal, com banda larga de boa qualidade (40 Mbps), pude assistir a tudo com imagens de TV em alta definição. Vi tudo, como se estivesse lá: desde a chegada do presidente Barack Obama ao Centro Espacial Kennedy, bem como o diálogo entre o papa Bento 15 e os astronautas e cosmonautas da estação espacial.
Mesmo assim, gostaria de estar lá. Nada substitui a presença total em certos eventos. Com base em minha avaliação pessoal, posso afirmar, meu caro leitor, que nenhum espetáculo é mais empolgante do que a decolagem de um ônibus espacial, como demonstração impressionante do poder da tecnologia humana.
Aliás, ao longo de meu trabalho como jornalista, tive a oportunidade de acompanhar a evolução dos ônibus espaciais, desde os primeiros testes de voo livre da nave Enterprise, em outubro de 1977, na Base de Edwards, da Força Aérea dos EUA, no Deserto de Mojave, na Califórnia. Depois, testemunhei o lançamento de dois outros ônibus espaciais: o Columbia (voo STS-1), em 12 de abril de 1981, e o voo inaugural do Atlantis (STS-51), em 3 de outubro de 1985.
Grande trabalho
Em pouco mais de 30 anos, os ônibus espaciais cumpriram 135 missões com as naves Columbia, Challenger, Discovery, Endeavour e Atlantis. Uma delas, a Enterprise, só foi usada experimentalmente nos primeiros voos na atmosfera.
Os momentos mais dramáticos e emocionantes da era do Projeto Space Shuttle foram aqueles em que, de perto ou de longe, acompanhei o primeiro lançamento (o STS-1), da nave Columbia, no dia 12 de abril de 1981. O último, o STS-135, do Atlantis. Pela TV, assisti à explosão do Challenger, em 28 de janeiro de 1986. A nave Columbia desintegrou-se em 1º de fevereiro de 2003, ao entrar de volta na atmosfera terrestre. Em cada um desses desastres, morreram sete astronautas.
Entre as missões mais relevantes, destacam-se a do voo STS-31, para o lançamento do telescópio espacial Hubble, pelo Discovery, no dia 24 de abril de 1990; a mais longa das missões, a do voo STS-80, da nave Columbia, lançada no dia 19 de novembro de 1996, e que durou 17 dias e 15 horas.
Os quatro ônibus espaciais agora se transformam em peças de museu. O Atlantis ficará exposto aos visitantes do Centro Espacial Kennedy. O Discovery vai para ao Museu Aeroespacial (Air & Space Museum), em Chantilly, Virgínia, próximo a Washington. O Endeavour será enviado ao Centro de Ciência de Los Angeles, na Califórnia.
Atlantis, um campeão
O ônibus espacial Atlantis faz agora sua 33ª viagem ao espaço e fecha um ciclo do transporte espacial. Desde sua estreia no dia 3 de outubro de 1985, até a semana passada, ele havia lançado 14 satélites, feito 11 viagens à estação espacial, completado 4.648 órbitas em torno da Terra e coberto a distância total de 194,1 milhões quilômetros, durante 293 dias, 18 horas, 29 minutos e 37 segundos no espaço.
No voo STS-30, no dia 4 de maio de 1989, o Atlantis lançou a primeira sonda Magalhães (Magellan, em inglês), que levou para Marte um radar e uma antena de rádio. Foi o primeiro lançamento de uma sonda espacial feito a partir de um ônibus espacial. No voo STS-34, em 18 de outubro de 1989, lançou a sonda Galileo, para Júpiter. Na missão STS-37, no dia 5 de abril de 1991, lançou o Observatório Compton de Raios Gama. Na STS-71, em 29 de junho de 1995, iniciou a série de sete missões que estabeleceu a ligação com a estação espacial russa Mir.

Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão (aos domingos), é jornalista especializado em telecomunicações e professor universitário, e-mail esiqueira@telequest.com.br