Um amor de leão
Opiniao

Um amor de leão

Era uma vez um escravo que fugiu da senzala, pois se sentia cansado de tantos maus-tratos. Geralmente, quando se foge, o objeto do destino é desafiador e, chegar à algum lugar, torna a caminhada mais árdua, de modo que ele não tinha sequer ideia de onde ir. Sem rumo, o escravo queria um local civilizado, entretanto, visto que a jornada seria longa, à luz da lua sob estrelas dormiu numa caverna entre montanhas. Não fazia nem uma hora que havia pegado no sono, quando ele ouve um rugido forte. Ao abrir os olhos, à sombra da tênue iluminação de um reluzente céu, qual não foi sua surpresa ao encontrar um leão?
O escravo ficou apavorado: Primeiro porque a última coisa que queria era estar em perigo; segundo que a ideia de existir um bichano feroz numa caverna não era sinal da sorte que ele precisava e terceiro que correr não estava entre os planos já que sua energia física não fora recomposta. O bicho rugia cada vez mais. Porém, uma curiosidade: O leão em nenhum momento ameaçou atacar o pobre escravo, ele, então, atentamente olhou para a pata do animal e lá havia um enorme espinho. Dizem que se um ser humano passar a mão na boca de um leão que acabou de comer de quilos de carne, o animal não fará nada. Talvez, seja essa a estratégia de animadores de circo, mas eu não chegaria perto desses felinos, nem que se ele tivesse comido um boi.
O espinho no pé do animal era demasiado incômodo, e o escravo logo percebeu o sofrimento alheio, então, de um forte puxão, o espinho saiu. O leão ficou muito feliz e aliviado, encostou a cabeça no pobre moço, como se dissesse ‘obrigado’. Lambeu o homem de alegria, passaram alguns dias juntos mas depois cada um foi para o seu lado. Uma semana depois, o moço foi encontrado pelos carrascos a vagar maltrapilho pelo vale. Naquela época, escravos traiçoeiros eram jogados na arena junto com feras famintas largados à própria sorte. E assim foi feito. Quando o escravo entrou no recinto, o público se manifestou em forma de urros e gritos – o que parecia mais a final de uma copa do mundo.
O moço estava assustado e sabia que morreria. Um leão foi solto, pois. O rapaz apavorou-se, porém, na hora em que percebeu que a única direção que a fera corria era pra cima dele, o indefeso homem começou a acelerar feito louco pela arena. E o bicho atrás. O moço correu em vão e, logo sentiu um peso enorme nas suas costas com garras a atacá-lo. O escravo num instante caiu no chão e o felino que estava por cima começou a lambê-lo e acariciá-lo, e o rapaz, tão aliviado quanto sortudo, entretanto, logo percebeu que aquele animal era o seu amigo das cavernas. Sim, invés de uma corriqueira luta entre homens e feras, o que se viu foram abraços leoninos.
O público, ao ver tudo aquilo, não compreendia. Os dois estavam muito felizes em pleno regojizo da amizade, e era a primeira vez que um homem não saía morto de lá. De modo que o escravo se manifestou para todos ouvirem: – Eu sou um ser humano como todos vocês, porém, sendo escravo, nunca ninguém buscou minha amizade. Esse leão não vê cara e sim coração! Na caverna fizemos uma bela amizade, ele cuidou de mim, me protegeu do frio, do calor, me levou onde havia água, fiz fogueiras em noites geladas. O leão me trazia comida e eu o ajudei. Por vezes, o protegi de caçadores quando pude e, agora, é a primeira vez que sinto o que é ter um amigo.
Diante de tais comoções o Rei, portanto, lhe concedeu a escolha entre continuar a ser um escravo ou seguir livre com junto ao seu mais novo parceiro. Convictamente o moço quis a liberdade. O povo, em unânime compaixão, clamou para que animais de todas as espécies não mais pudessem fazer parte desses eventos sanguinolentos. A partir daí concedeu-se redenção a todos, e a escravidão naquelas redondezas aboliram-na.

“Um verdadeiro amigo é alguém que pega a sua mão e toca o seu coração.”
 Gabriel Garcia Marques – escritor colombiano (1927 – 2014).